Sobreviventes da Casa Azul cobram assistência do governo
O comerciante Pedro Borba não se sentiu à vontade para entrar na casa onde ficou preso e sofreu maus-tratos no ano de 1972. Mas, nas sombras do quintal, ele deu detalhes de algumas torturas aplicadas ali.
Sob acusação de ter vendido suprimentos para integrantes da Guerrilha do Araguaia, Pedro ficou preso durante dois dias na Casa Azul e foi obrigado, pelos militares, a comer intestino de porco cru e grãos de feijão. Além disso, passou cerca de 40 dias nu e 14 dias sem comer do lado de fora da casa. Naquele quintal, ele conta que viu militares enterrarem pessoas vivas.
Segundo ele, as pessoas eram colocadas de cabeça para baixo em um buraco estreito e ficavam cerca de uma hora e meia nesse local. Os militares diziam que, dessa forma, as vítimas forneceriam as informações. Enquanto capinava o quintal a mando dos militares, ele viu pessoas da comunidade saírem praticamente mortas dessas valas.
Todos os sobreviventes que deram depoimentos à Comissão Nacional da Verdade na Casa Azul, entre eles o soldado Manuel Messias Guido Ribeiro, citaram o nome de Sebastião Rodrigues de Moura, mais conhecido como Major Curió, como um dos responsáveis pelas sessões de tortura.
“Lá, a gente não sabia nome. Todos os oficiais eram chamados de doutores. Era o Curió, que era chamado de Luquinha. O Curió foi meu comandante, ficava aqui muito tempo”, relata Guido, que foi recrutado pelo Exército para servir na “guerra contra comunistas”, mas tinha pena dos prisioneiros.
Curió já foi convocado algumas vezes pela Comissão da Verdade para prestar depoimentos, mas nunca aceitou os convites, apresentando atestados médicos. A reportagem falou por telefone com o major, que alegou estar internado e que não poderia conceder entrevista.
Na opinião de Sezostrys Alves da Costa, presidente da Associação de Torturados e Torturadas da Guerrilha do Araguaia, os militares envolvidos nas sessões de tortura deveriam ser punidos. O pai, o avô e alguns tios de Sezostrys também foram presos na Casa Azul.
“Diante da gravidade dos atos praticados aqui, e ainda pouco se tem de dados oficiais em relação a isso, eu creio e defendo a tese de que a punição seria o melhor caminho, mesmo que talvez eles não sejam presos, mas para a sociedade, que os culpados sejam expostos para que a gente possa ter acesso às verdades daquele tempo.”
Mas ainda é possível que a Casa Azul tenha uma boa destinação e que as vítimas sejam assistidas. O reitor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Maurílio de Abreu Monteiro, revelou à Comissão da Verdade o interesse da instituição em transformar o local em uma espécie de museu, em memória de todas as vítimas da Guerrilha do Araguaia.
A Comissão Estadual da Verdade do Pará, que acompanhou a diligência à Casa Azul, pretende cobrar do governo estadual um programa especial para atendimento psicológico e de saúde aos sobreviventes.
O material apurado pela Comissão Nacional da Verdade será encaminhado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Os trabalhos da comissão se encerram no dia 16 de dezembro deste ano.