"Dados sobre mortes pela polícia são subnotificados", afirmam especialistas

Pesquisa mostra que policia brasileira mata cinco vezes mais que a americana

Por Fernanda Távora*

Anunciados nesta segunda-feira (10), os dados da oitava edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública ganharam repercussão. Segundo a publicação, produzida pela organização não governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as polícias brasileiras mataram, durante o serviço, 2.212 pessoas em 2013. Em média, são 6,11 mortos por dia. O número é menor do que o verificado no ano anterior, quando 2.332 pessoas foram mortas pela polícia no Brasil. O levantamento revela ainda que, nos últimos cinco anos, a polícia matou 9.691 pessoas. O número é cinco vezes maior do que o verificado nos Estados Unidos, onde 7.584 pessoas foram mortas pela ação policial nos últimos 20 anos. A íntegra do documento será apresentada nesta terça (11) na capital paulista.

Mesmo com a queda, o FPBS avalia que a diferença não indica uma melhora ou tendência de mudança. Especialistas em segurança pública, entrevistados pelo JB, apontam que apesar do número chamar a atenção, casos de violência desse tipo ainda são subnotificados no Brasil. Segundo eles, alguns estados brasileiros não divulgam esses dados ou sequer fazem esse tipo de contagem.

Para Victória Sulocki, além da subnotificação dos casos, outros elementos não são relacionados, como por exemplo, o número de desaparecidos em ações policiais.  “O número de mortos diminuiu mas o número de desaparecidos aumentou. Esse dado não leva em conta se o caso é de desaparecimento de corpos e o número de desaparecimentos reais. Há uma troca entre os números de desaparecimentos e os dados de mortes notificadas”.

Bruno Paz Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, afirma que “o Brasil tem um problema crônico de violência policial”.  “Esses dados são resultado das altas taxas de crime e violência policial, são taxas que não param de crescer e, paralelamente, os dados sobre criminalidade são altos e crescem tanto quanto essas taxas. O que vem sendo discutido é que existe um problema estrutural no modelo de segurança pública nacional. A reestruturação da polícia se mostra urgente porque, alem de violenta, a policia tem se mostrado ineficiente”, aponta

Segundo Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o Brasil tem um problema de violência que tem várias raízes no sistema policial. “A polícia trabalha em um ambiente de muita violência. A tradição policial brasileira privilegia o combate e armado. Além disso, a militarização da segurança pública privilegia a ação imediata. Há muitas execuções sumarias o que resulta em impunidade, devido à falta de fontes nas investigações”. Para o pesquisador, é preciso dar a devida atenção a esses dados, ainda que subnotificados devido à falta de registro das policias de alguns estados brasileiros.

Outro dado divulgado pela pesquisa do FBSP é que houve um aumento no número de policiais mortos entre 2012 e 2013, no entanto 70% dos casos aconteceram quando o policial não estava a serviço da corporação da qual faz parte. Para os especialistas, esses dados podem traduzir a situação enfrentada pelos policiais, de falta de estrutura e baixos salários, que os obriga a correr atrás de “bicos”, quando os profissionais fazem trabalhos com segurança privada para complementar a renda.

Para Paz, o trabalho diário do policial “sacrifica” muito o profissional. “Quando o policial procura esses bicos para trabalhar com a segurança privada, ele também se coloca numa situação mais vulnerável. Lá ele não tem o aparato da corporação para dar apoio, normalmente ele trabalha sozinho”.

Assim como paz, Victória afirma a possibilidade desses dados estarem ligados ao trabalho que o policial acaba fazendo por fora. “A gente tem também, apesar do numero de policiais que participam de milícias não ser contingente tão grande,  muitos deles são mortos em um ‘acerto de contas’”, aponta. Outra possibilidade, também corroborada pelos outros dois especialistas, é de que os policiais podem ser reconhecidos por criminosos fora do ambiente de trabalho, o que pode acarretar um confronto no momento em que o policial se encontra despreparado.

Como parte do anuário, o FBSP apresenta o Índice de Confiança na Justiça Brasileira (ICJBrasil), apurado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O estudo aponta que apenas 33% dos entrevistados dizem “confiar ou confiar muito” no trabalho da polícia. Também foram verificadas diferenças étnicas em relação a essa questão. É maior a proporção de entrevistados que se autodeclaram branco que concordam com a afirmativa do que entre os que se autodeclaram negros.

Segundo Paz, casos de abordagem violenta da polícia e de corrupção envolvendo altas patentes da corporação trazem essa desconfiança. “Isso twm a ver c diretamente com a relação cotidiana das pessoas com a polícia. No dia a dia conversando com pessoas, você percebe isso. Se a pessoa é negra e mora num bairro da periferia, ela é abordada mais vezes do que alguém que é branco. E essa pessoa costuma ser abordada com mais violência do que alguém que é branco de classe média”.

“Em sua maioria, os pretos e pardos estão super representados nas camadas pobres e a policia tende a ser mais violentos nessas áreas. Então as pessoas de periferia tendem a ter uma visão menos favorável da polícia e da ação policial”, afirma Ignacio Cano.

Victoria também questiona a atuação da polícia nessas comunidades e aponta isso como fato para a baixa confiança da população de periferia nos policiais. “São os que sofrem com esse tipo de ação da policia. Seja nas favelas ou fora delas, nas comunidades aqui no Rio, com a lógica das UPP, com ação da polícia nessa lógica militarizada dificilmente vão olhar pra eles como alguém que quer a pacificação. O que é visto é uma troca, entre a polícia e o tráfico. Sendo que em alguns casos, o tráfico continua nessas comunidades, gerando mais conflitos para os moradores”, aponta.

*do Programa de estágios do JB