Associação de haitianos quer abrir sede para apoiar imigrantes em São Paulo
Com um ano de existência, a União Social dos Imigrantes Haitianos (Usih) existe fisicamente apenas com os telefones celulares de seus dirigentes. Para ampliar a capacidade de atuação, o fundador do grupo, Fedo Bacourt, de 38 anos, busca agora um imóvel para sediar a organização.
“Pessoas que tiverem problema de trabalho, pessoas que tiverem problema de saúde. Às vezes as mulheres enfrentam muito racismo. A gente quer criar uma estrutura mais ampla para acompanhar os haitianos nos problemas que eles têm”, disse em português, mas com forte sotaque creole, uma das línguas de seu país de origem.
“Quando a gente chega, ninguém imagina que vai ser assim”, acrescenta Bacourt sobre as razões que o levaram a fundar, com mas 14 compatriotas, a organização de apoio aos haitianos que chegam ao Brasil tentando uma vida melhor, fugindo das marcas deixadas pelo terremoto de 2010, que matou mais de 300 mil pessoas. Desde a catástrofe, pelo menos 40 mil haitianos, segundo a Polícia Federal, vieram para o Brasil.
Para bancar o aluguel da sede, Bacourt espera contar com o apoio de movimentos sociais e sindicatos. O coordenador da Usih falou com a Agência Brasil enquanto visitava um sobrado antigo, no bairro do Glicério, região central de São Paulo, que virou referência para a maior parte dos imigrantes haitianos. É nesse bairro que fica a Missão Paz, organização não governamental (ONG) vinculada à Igreja católica que abriga recém-chegados que, muitas vezes, trazem apenas a roupa do corpo e dominam meia dúzia de palavras em português.
“A prioridade para eles [os haitianos] são os documentos. Em segundo lugar é o trabalho”. Conseguir a documentação é uma tarefa que exige esforço. Começa com um protocolo, emitido pela Polícia Federal, um número em uma folha de papel-ofício que dá acesso ao Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). Com o número em mãos, é possível abrir conta bancária e procurar trabalho. Do protocolo ao Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) – documento obrigatório para todo estrangeiro com residência permanente no Brasil – é preciso atravessar a burocracia até ter o pedido aprovado pelo Conselho Nacional de Imigração. O processo todo pode demorar mais de um ano.
Entre os desafios a serem superados, o domínio da língua ainda é um grande obstáculo que a organização quer ajudar hatianos a vencer. “A associação quer abrir mais espaço para cursos de português para ajudar os haitianos”, explica Bacourt que, além do trabalho na USIH, está empregado na construção civil. O primeiro emprego no Brasil foi como ajudante de pedreiro. Hoje, realiza funções administrativas, fiscalizando o andamento das obras e intermediando o contato entre a empresa e outros trabalhadores haitianos.
A oportunidade de uma posição melhor remunerada dentro da construção civil, surgiu após Bacourt ter se voluntariado como tradutor. “Gosto de ajudar”, comenta. Porém, a função ainda está aquém das que poderia ocupar no país de origem. Com dois cursos superiores, um em educação e outro em línguas, Bacourt era professor de história no ensino médio e tinha seu próprio instituto de línguas onde dava aulas de francês e inglês. Foi essa estrutura que ficou para trás com o terremoto, além dos amigos que perderam a vida. “É muito difícil encontrar alguém no Haiti que não tenha perdido pessoas no terremoto”, lamenta. Com a experiência em ensino de línguas, Bacourt pensa também em oferecer aulas de francês e inglês a brasileiros. “Podemos ajudar os brasileiros com cursos para brasileiros”.
Racismo
A facilidade com idiomas tem aberto espaço para outro haitiano, bem mais jovem. Esteevens Lamontagne, de 21 anos, chegou ao Brasil há dois anos. Como a maioria dos colegas, arrumou emprego como pedreiro, mas à noite, cursa o ensino médio em uma escola pública de Santo André. É também nesse município da Grande São Paulo que o jovem vive com a prima e o marido dela.
No colégio, garante que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito.“Eles não tem preconceito, porque quando eu falei para eles que eu falo espanhol, francês e inglês eles me deram muito valor”, completa em meio a um sorriso. Em outubro vai fazer, como experiência, o Exame Nacional do Ensino Médio. Seu objetivo é cursar engenharia civil no Brasil.
Pelas ruas de São Paulo, no entanto, a situação é diferente. “Teve uma vez que estávamos eu e um amigo andando e na frente tinha uma mulher. Ela olhou pra trás e depois saiu correndo. Ficou com medo porque viu dois homens negros atrás dela”, contou. Para Bacourt, o preconceito que enfrenta no Brasil acontece de forma velada e está associado à cor da pele. “Aqui no Brasil, o racismo é quase fechado porque o povo brasileiro sabe que se a gente procura a justiça pode ser punido. Mas não sei o que as pessoas sentem, se tem medo. Só sei que isso [racismo] acontece porque sou negro”, diz.
Além das dificuldades de integração e questões sociais, a vida dos imigrantes também tem sido afetada pela conjuntura econômica. Bacourt explica que a recente desvalorização do real em relação ao dólar fez com que ele diminuísse a ajuda financeira que envia para a família, que ficou no Haiti. “Ano passado eu paguei R$ 232 para US$ 100 para mandar dinheiro para meus irmãos mais novos que ficaram no Haiti. Agora paguei R$ 460 [para US$ 100]”, comparou o hatiano que também responsável pelo sustento da esposa haitiana que coneceu no Brasil.