Especialistas criticam reorganização da rede de ensino de São Paulo
A reorganização da rede de ensino proposta pelo governo de São Paulo foi criticada hoje (25) por professores universitários e especialistas, em entrevistas à Agência Brasil. O professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse disse que os problemas começam com a falta de transparência na apresentação da proposta de mudança.
“O que mais chama atenção nesta reforma é a ausência de um documento que explicite as escolas que serão atingidas no primeiro e em um segundo momento de mudança e, sobretudo, uma fundamentação para o aspecto pedagógico do que está sendo anunciado”, afirmou o professor.
O projeto da Secretaria de Educação de São Paulo prevê o fechamento de 93 escolas e a transferência de estudantes para outros estabelecimentos. O objetivo é segmentar as escolas em três grupos (anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médio), conforme o ciclo escolar.
A estimativa é que 311 mil alunos tenham que mudar de escola no ano que vem. “Nós já temos estudos, inclusive pelo Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira], que nas escolas onde nós temos um único ciclo o rendimento desses alunos é superior em relação as escolas que têm dois ou mais tipos de ensino”, alegou a diretora de ensino da região centro-sul, da Secretaria de Educação, Maria Izabel Faria.
A avaliação da secretaria é contestada pelo professor Alavarse. “O que eles fizeram foi um estudo muito simples, em que mostram que escolas com um ciclo só têm Idesp [Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo] maior do que escolas com dois ciclos, que, por sua vez, têm Idesp maior com três ciclos. Isso não prova nada”. Segundo o especialista, outros fatores devem ser levados em consideração, como o nível socioeconômico dos alunos e a composição das equipes docentes.
“O que as pesquisas mostram é que para ter uma escola bem-sucedida, de maneira geral, você precisa de uma série de razões, são aspectos multifacetados que geram um sucesso de determinada escola. Não é uma razão em si”, ressaltou o professor José Alves da Silva, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). De acordo com ele, uma medida semelhante foi proposta em 1997, porém, não houve melhora significativa nos indicadores educacionais.
As mudanças propostas pelo governo estadual também não levaram em conta, segundo o professor da Unifesp, questões relativas à organização das famílias. “Não foram levadas em consideração as possíveis separações de irmãos das escolas, o mais velho que costuma levar o mais novo para a escola. São questões que só o argumento pedagógico não consegue dar conta, até porque o argumento pedagógico é falho”, destacou.
Para a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Noronha, as questões relativas ao sistema educacional devem ser debatidas de forma ampla com a sociedade. “É preciso ter um olhar mais profundo no que diz respeito à gestão democrática, no que diz respeito à organização curricular, tempo e espaços escolares. É disso que falamos. Isso faz parte de um debate em que se quer melhorar a qualidade do ensino”.
Ocupações e moções de repúdio
Na opinião da presidenta do sindicato dos professores, Maria Izabel, anunciar alterações tão drásticas no sistema, em um ano em que houve uma greve de 92 dias, ajudou, a acirrar os ânimos contra a proposta. “Foi um tiro no pé do governador e do secretário. Unificou quem eles não queriam que unificasse: pais, professores, alunos e funcionários. Isso, de certa forma, tem um viés positivo, porque mostra que a bandeira da escola pública não tem que ser levantada só pelos professores também pelos alunos, também pelos pais, que também participam das ocupações”. As ocupações de escolas no estado somavam hoje 163, segundo estimativa da Apeoesp, e 151 no cálculo da secretaria de educação.
Para o professor da USP, Ocimar Alavarse, a mobilização é positiva.”Do ponto de vista pessoal, deve-se supor uma experiência muito gratificante, enriquecedora e educativa, mas o objetivo da ocupação não é a ocupação em si mesma. Uma ocupação exige uma série de cuidados com segurança, manutenção dos espaços, mas acho que, neste caso, o mais importante é que os estudantes, ao entrarem em cena, com o apoio de suas famílias, mudaram o quadro político desta reorganização”, disse.
A Faculdade de Educação da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) divulgaram moções de repúdio à reorganização. Os docentes da USP criticaram o “descompromisso com a oferta pública da educação”. É preocupante constatar, na política adotada, uma intenção irresponsável de economia de gastos públicos que, associada a iniciativas como a da flexibilização do currículo do ensino médio, o fechamento de salas no período noturno, a diminuição da oferta de vagas para Educação de Jovens e Adultos”, diz a USP, na moção.
Os professores da Unicamp lembraram que o ensino público estadual tem sofrido sucessivos cortes no número de vagas. De acordo com os dados do Censo Escolas citados no comunicado da faculdade, em 2013 a rede paulista tinha 5.585 escolas, número que deve ser reduzido a 5.108 com a reorganização. Na opinião dos docentes, as alterações favorecem a privatização da rede.
“A reorganização da escola por ciclos já cria a estrutura adequada para intensificar o processo de municipalização também do ciclo II do Ensino fundamental. Estudos demonstram que a municipalização tem sido um terreno fértil para os processos de privatização da escola pública”, diz a moção da faculdade.
Facilitar a gestão
A diretora de ensino da região centro-sul, da Secretaria de Educação de São Paulo, Maria Izabel Faria, rebate as acusações de que a comunidade escolar não foi consultada. “Todas a diretorias receberam representantes para passar a proposta, ouvir a comunidade nesse sentido, do que estava sendo proposto para o estado.”
Ainda segundo a diretora, as mudanças foram feitas com base em estudos que avaliaram o impacto para os estudantes e as famílias. “Todas as diretorias fizeram um estudo muito criterioso, levando em consideração os alunos, a escola, a distância. Tudo muito cuidadoso”, enfatizou. Além disso, há, de acordo com Faria, a possibilidade de o estudante solicitar remanejamento dentro da rede.
A reorganização não é feita, de acordo com a diretora, com o objetivo de reduzir os recursos destinados à educação, mas aumentar o potencial dos investimentos. “A gestão fica menos complicada: todos os alunos na mesma faixa, com necessidades semelhantes. Então, a própria gestão da escola fica facilitada. O investimento também pode ser melhor direcionado”, destacou. Segundo Faria, os aportes são feitos com base no número de alunos, não na quantidade de escolas.
A possibilidade de aumento do número de alunos por sala de aula também foi descartada pela diretora. “Não existe essa possibilidade das salas ficarem superlotadas pela reorganização. Isso foi bem cuidado por todas as diretorias de ensino para que a gente acomodasse os alunos sem superlotação”, garantiu.