Em crise financeira, hospital infantil da Bahia anuncia suspensão de serviços

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Com dívidas de cerca de R$ 25 milhões, o hospital filantrópico de atendimento infantil Martagão Gesteira, em Salvador, anunciou a redução e suspensão de procedimentos a partir de agosto.

O anúncio foi feito pela própria instituição, que enviou um ofício às secretarias de Saúde da Bahia e de Salvador, pedindo o posicionamento de ambas sobre o acesso dos pacientes à rede pública e o acompanhamento do Ministério Público Estadual durante o processo de transferência das crianças que necessitam de atendimento.

“É triste, mas tentamos evitar essa situação. A gente fica muito sentido porque as crianças são muito carentes. Mais de 80% das famílias atendidas vivem com menos de um salário mínimo. São pessoas sem acesso à saúde, com diagnósticos tardios, doenças já avançadas. Tentamos de todo jeito evitar a suspensão dos serviços, mas fomos forçados a isso. Essas famílias são as que mais sofrerão com isso”, informou Antônio Santos Novaes Júnior, superintendente da Liga Álvaro Bahia Contra a Mortalidade Infantil, mantenedora do Hospital Martagão Gesteira.

Atendimento

Com atendimento gratuito, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), a instituição sem fins lucrativos atende diariamente cerca de 700 crianças do estado. É o caso da dona de casa Daniela Silva, de Camaçari, região metropolitana de Salvador. Mãe do menino Paulo Leone Silva Santos, passou seis meses no Martagão tratando do filho, portador do grau mais severo da síndrome osteogênese imperfeita (conhecida como ossos de vidro).

Durante o tratamento no hospital, Daniela recebeu orientações para cuidar do menino em casa, para onde foi encaminhado. No entanto, ele morreu três anos depois (em abril deste ano, aos seis anos) por causa da gravidade da doença.

“Não foi por falta de cuidado que ele morreu. Foi a gravidade da doença. Se dependesse do Martagão e do que me ensinaram para cuidar dele, ele não morreria. O Martagão nos ajuda muito, ajuda muitas famílias. É o nosso porto seguro, porque a Bahia toda depende desse hospital”, comentou Daniela Silva.

Reconhecimento

Daniela informou que, mesmo com a morte do filho, não deixa de reconhecer a eficácia e o cuidado no tratamento dispensado às crianças. “Estou em crise, como o Martagão. Imagine uma mãe saber que o filho pode morrer se não fizer determinada cirurgia. É muito difícil. Não tem recurso que possa nos ajudar. Me sinto de mãos atadas com a situação do hospital”, lamentou.

O alto número de atendimentos do Martagão Gesteira vai reduzir, conforme anunciado, porque no próximo mês, as cirurgias neurológicas estarão suspensas devido à falta de materiais cirúrgicos e dívida com os profissionais. Além disso, haverá suspensão de tratamento em novos casos de câncer infantil, e em novos casos de fissura lábio palatina (lábio leporino). As cirurgias cardíacas serão reduzidas pela metade.

A direção do Martagão Gesteira pede que as verbas repassadas ao hospital sejam recalculadas, já que os valores estariam defasados. Segundo o Martagão, a tabela de repasses sofreu reajuste de 93,66% desde o plano real. Entretanto, outros custos básicos, como energia elétrica, água e o gás de cozinha chegaram a ser reajustados em cerca de 1000%.

Custos

“Há procedimentos para os quais recebemos, há mais de 20 anos, o mesmo valor. Para algumas consultas, recebemos R$ 10. A tabela SUS não tem reajuste há mais de 20 anos e nosso déficit só aumenta”, afirmou o superintendente.

Segundo a instituição, os custos do hospital alcançam R$ 4,2 milhões por mês. Os repasses das secretarias estadual e municipal não chega a R$ 4 milhões, o que gera um déficit de cerca de R$ 500 mil por mês.

“Somos contratualizados com a prefeitura e com o estado. Há estados e municípios onde o gestor local do SUS olha para a tabela e reconhece a defasagem e, com isso, decide complementar esse valor no repasse. Na Bahia, nunca houve esse tipo de atitude. É por isso que 40% dos hospitais filantrópicos já fecharam no estado nos últimos dez anos”, afirmou Antônio Novaes.

Secretarias

Em nota, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou que o Martagão Gesteira recebe por mês R$ 1,350 milhão referente a atendimentos e tratamentos na instituição. Além disso, a pasta explicou que o valor de cada procedimento equivale a 70% da tabela Planserv (Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Estaduais). Esse valor, segundo a Sesab, é superior em mais de 40% ao que consta na tabela SUS.

Também por meio de nota, a Secretaria Municipal de Saúde disse que o cálculo do valor repassado “é realizado pela Comissão de Acompanhamento de Contratualização/DGRCA, avaliando as metas quantitativas e/ou qualitativas do Plano Operativo Anual, parte integrante do convênio [firmado entre a Secretaria e o hospital]”. Os recursos repassados mensalmente pelo Ministério da Saúde atingem, em média, R$ 2 milhões.

Além dos repasses públicos, o Martagão Gesteira recebe doações em depósito bancário, por meio de pagamento de boleto e adoção de um leito, entre outras opções. O superintendente da liga que mantém a instituição esclareceu que mais de 90% das doações recebidas pelo hospital são para investimento, como compra de equipamentos ou reformas. Uma pequena parcela das doações (2%) é destinada ao pagamento de insumos e de profissionais, o que é insuficiente.

Ivete Sangalo

O superintendente destacou que no ano passado a cantora baiana Ivete Sangalo chegou a fazer um show beneficente em Salvador, destinando toda a verba arrecadada para o hospital.

“Com o show de Ivete Sangalo arrecadamos R$ 2 milhões para construção, ampliação e reforma. A gente está concluindo a construção da terceira Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e vamos começar a reforma do terceiro andar, que são as enfermarias da oncologia.”

O Hospital Martagão Gesteira existe há quase 100 anos e é referência em tratamentos de alta complexidade infantil, como neurocirurgia, cardiologia e oncologia. O edifício, que fica no Bairro do Tororó, tem 220 leitos e mais de 20 especialidades médicas. Segundo a instituição, cerca de 4 mil atendimentos e 700 cirurgias são realizadas mensalmente por meio do SUS.