Projeto que atende mulheres estrangeiras encarceradas comemora 15 anos
O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) lançou ontem (23) o livro De Estrangeiras a Migrantes: os 15 Anos de Luta do Projeto Estrangeiras, em comemoração aos 15 anos do projeto, que presta orientação jurídica e acompanhamento social às estrangeiras presas no estado de São Paulo.
O Projeto Estrangeiras surgiu a partir de uma visita feita na antiga penitenciária feminina do Tatuapé, em 1997, após denúncia de tortura. Na visita, advogadas, entre elas a atual presidenta do instituto, Michael Mary Nolan, constataram que o português não era a única língua falada na unidade.
“Quando fomos fazer a visita, nós descobrimos um monte de estrangeiras lá, que, naquela época, ninguém sabia realmente que existia. E aí começamos escutando e aprendendo quais eram os problemas, vendo problemas sérios: [as presas estrangeiras] não tinham contato com as famílias e naquela época a Justiça Federal nem sempre tinha tradutor.
Depois de passar alguns meses visitando toda semana, escutando, vendo processos, começamos a organizar um trabalho sistemático com as mulheres”, disse Michael.
Na época, cerca de 40 estrangeiras dividiam cela com as mais de 500 brasileiras encarceradas. Desde 2001, uma equipe do projeto faz o atendimento às migrantes em privação de liberdade por meio de parceria firmada com a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do estado, no qual o instituto tem acesso aos presídios em que existem mulheres estrangeiras cumprindo pena.
Hoje são mais de 300 mulheres, de cerca de 60 nacionalidades diferentes, segundo o instituto. A maior parte delas cumpre pena no regime fechado na penitenciária feminina da capital, localizada no bairro do Carandiru, onde há mais de 200 migrantes. A equipe faz cerca de 1.400 atendimentos por ano com as estrangeiras encarceradas.
“Privadas de sua liberdade em um território completamente hostil, estrangeiras sequer tinham acesso ao direito à progressão de regime, sob os argumentos de que estavam irregulares no país e de que não tinham endereço fixo aqui. Condenadas em sua maioria por tráfico de drogas, as estrangeiras têm, ainda, um complicador que aumenta em até dois terços sua pena: o fato do tráfico ser internacional”, diz a publicação sobre os obstáculos encontrados pelas estrangeiras.
Ao longo desses 15 anos, o instituto teve conquistas. “Conseguimos tradutores, porque pelo Código Penal brasileiro só tem tradutor para o interrogatório. Nós conseguimos tradutores para todos os momentos do processo. Conseguimos que a sentença fosse traduzida, porque as mulheres nem recebiam a sentença [na língua delas]”, disse a presidenta do instituto.
Mediar comunicação
Um dos objetivos do projeto, além de prestar orientação jurídica, é mediar a comunicação entre as presas e suas famílias e acionar consulados, embaixadas e outras instituições que forem necessárias durante o processo de cumprimento da pena.
“É um pouco mais difícil para elas, porque a grande maioria não tem uma rede de apoio aqui no Brasil. Elas não moravam aqui antes, então elas não têm essa referência para buscar essa ajuda. As famílias geralmente estão no exterior”, disse Isabela Cunha, advogada do instituto e integrante do projeto.
Segundo Isabela, a equipe faz contato por telefone com as famílias sempre que as mulheres demandam, além de facilitar a troca de correspondência entre elas e seus parentes, pois o único meio para isso seria pelos Correios, o que tornaria tudo mais demorado.
“Nossa experiência ajuda também a orientar as famílias sobre como elas podem ajudar mesmo estando fora. As famílias têm como mandar um Sedex às vezes com coisas que elas possam receber aqui”, disse a advogada, explicando que tem uma documentação a ser preenchida pelas famílias para o envio de objetos. “Ficamos como uma referência tanto para as mulheres que estão presas, como para quem está fora e quer ajudar de alguma forma”.