Governadores do Nordeste não aceitam acordo para receber multas da repatriação
Os governadores do Nordeste decidiram, em reunião nesta sexta-feira (24) à noite, que não concordam com o acordo de ajuste fiscal recomendado pela União como uma condição para acessar parte dos recursos das multas do programa de regularização de ativos não declarados à Receita, conhecido como Lei da Repatriação. Eles vão enviar uma carta até segunda-feira (28) para o presidente Michel Temer explicando o posicionamento do grupo.
O consenso entre os governadores é que não é possível relacionar as duas questões ou determinar um modelo de ajuste único para todas as unidades da federação. Eles informaram ainda que não vão retirar as ações que correm no Supremo Tribunal Federal (STF) para receber os valores.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, foi o porta-voz dos chefes dos Executivos estaduais. “O que nós temos muito claro é que estamos fazendo ajustes, temos esse compromisso, e que não vamos confundir ajuste com essa questão da repatriação. São assuntos distintos, está judicializado, se puder se chegar a um acordo, ótimo”, disse à imprensa depois da reunião durante a noite de hoje no Palácio do Campo das Princesas, no Recife, sede do governo pernambucano.
As multas da repatriação são aplicadas em cima de ativos mantidos por brasileiros no exterior que não recolheram impostos de forma indevida. O montante estimado pelos Estados a ser recebido é de cerca de R$ 5,2 bilhões. Existe um impasse sobre o direito dos Estados e municípios em receber parte dos valores arrecadados com as punições, o que levou governos estaduais a judicializar o caso.
Na terça-feira (22), o presidente Michel Temer recebeu os governadores de todas as unidades da federação. Foi anunciado que o governo federal se anteciparia à decisão do STF e liberaria os recursos. Em contrapartida, os estados precisariam fazer ajustes fiscais semelhantes aos propostos nacionalmente pela União, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que estabelece um teto para investimentos públicos, por duas décadas, de acordo com a inflação do ano anterior.
Também seria preciso desistir das ações judiciais. Sobre esse ponto, Câmara respondeu que os estados nordestinos “não” iam retirar os processos. “Vamos aguardar a Justiça. Temos uma liminar que já garantiu o depósito em juízo e a gente entende que a multa tem que ser repartida entre estados e municípios”, informou.
Dever de casa
Na carta a ser enviada a Temer, os governadores vão detalhar as medidas de ajuste fiscal já aplicadas “desde janeiro de 2015”. Segundo Câmara, os estados do Nordeste têm uma realidade diferente da observada em governos estaduais de outras regiões, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Por isso, não seria possível concordar com um acordo que estabeleça regras únicas para todas as 27 unidades da federação ou mesmo para todas os nove estados nordestinos.
“O ajuste já está sendo feito. É só ver o crescimento das despesas dos estados no ano de 2015. Os estados cresceram as despesas em 2%, 2,5%. Até se já tivéssemos uma PEC dos Gastos funcionando, teríamos feito nosso dever de casa sem precisar dela, porque a inflação no ano passado deu 6 pontos percentuais”, disse o pernambucano, que acrescentou que o “compromisso com o ajuste fiscal continua”.
Segundo Câmara, os governadores vão continuar cobrando o diálogo, a transparência e ações para voltar a crescer. “Temos certeza que com a retomada de obras para gerar emprego, ao mesmo tempo que o enfrentamento da seca, com as obras hídricas, buscar alternativas para a saúde, a segurança, tudo isso está sendo colocado”.
A Transposição do Rio São Francisco é citada como uma das obras que precisam ter uma “prioridade maior”, embora reconheça que a obra não resolve o problema como um todo. “Precisamos de obras complementares, como as adutoras, os ramais. É um assunto recorrente, mas precisamos reafirmar porque já estamos no quinto ano de seca sem saber ainda como vai ser 2017 em relação às chuvas”.
Autonomia
Antes da reunião, os governadores deram rápidas declarações à imprensa à medida que chegavam ao Palácio do Campo das Princesas. Uma palavra muito usada foi a “autonomia” em relação ao governo federal. "No nosso entender existe um choque entre o que foi conversado pelos governadores com o presidente da República e o que está sendo encaminhado pelo Ministério da Fazenda. É preciso compreender que tem que existir uma limitação nas relações de uma federação, ou seja, os estados têm autonomia”, disse o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho.
Um dos impasses no ajuste fiscal proposto é o corte de investimentos em políticas sociais, preocupação do governador do Maranhão, Flávio Dino. "Chega de recessão, chega de desemprego, é preciso que haja ampliação das receitas públicas, controle dos gastos que são dispensáveis, mas sem sacrificar as políticas sociais que são fundamentais para que o Brasil combata a desigualdade social e regional, sobretudo no caso do Nordeste. Minha expectativa é de muita unidade entre os governadores do Nordeste para que a gente ajude o conjunto dos governadores a encontrar um pacto federativo com o governo federal".