Esterilização de moradora de rua não é caso isolado, dizem entidades

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O caso da mulher submetida a um procedimento compulsório de esterilização (laqueadura) em Mococa, interior paulista, não é um caso isolado, segundo entidades de representação profissional, e esse tipo de violação de direitos de certas parcelas da população é recorrente. 

Durante audiência pública promovida nesta terça-feira (26) pela Ordem dos Advogados do Brasil seccional de São Paulo, o presidente da entidade, Marcos da Costa, destacou que a mesma vara de Mococa autorizou, pelo menos, mais um procedimento do tipo. “A mídia já divulgou mais um. Quantos outros casos possivelmente vão existir dentro da vara?”, questionou.

Também participaram do debate o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Lavínio Nilton Camarim, além de representantes do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRPSP), e do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (CRSSP).

Investigação

A situação da mulher, conhecida apenas como Janaína, está sendo apurado pela Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo e pela Corregedoria do Ministério Público. De acordo com a denúncia, a mulher passou pelo procedimento sem acompanhamento de um advogado ou de um defensor público. Para Costa, o processo está repleto de problemas e em nenhum momento houve um olhar direcionado a trazer soluções às dificuldades de Janaína, que também faz uso abusivo de drogas. O presidente da OAB-SP também enfatizou que a opção do promotor, referendada pelo juiz, encarou apenas a mulher como um problema a ser resolvido: “em nenhum momento se imaginou fazer a cirurgia no homem”.

Entre as justificativas apresentadas pelo juiz Djalma Moreira Gomes Júnior para determinar a esterilização está o fato de que, na ocasião, Janaína já era mãe de sete filhos e estava grávida do oitavo. O magistrado alegou que a mulher não tinha condições econômicas de manter outras crianças. A decisão obrigou a prefeitura de Mococa a realizar a laqueadura, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. O procedimento ocorreu logo após Janaína ter tido o bebê.

A decisão judicial foi revista em segunda instância e os próprios desembargadores da 8ª Câmara de Direito Pública que julgaram o caso determinaram a remessa do processo para avaliação das corregedorias da Justiça e do Ministério Público. Apesar da vitória da prefeitura de Mococa na segunda instância, a decisão não chegou a tempo de evitar o procedimento cirúrgico da mulher.

O juiz e o promotor responsável pelo processo estão impedidos de se manifestar pelas corregedorias das duas instituições.

Ética profissional

O presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Lavínio Camarim disse que as condições em que o médico fez o procedimento também precisam ser avaliadas. Ele ressaltou que o código de ética da profissão não permite uma operação desse tipo sem consentimento da paciente. “Foi uma condição de quem estava acuado? Nós vamos verificar isso. Sindicância nós já instauramos para verificar em que condição esse ato foi praticado”, destacou.

A presidente do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo, Kelly Melatti, afirmou que o caso mostra uma prática sistemática na violação de direitos da população mais pobre. “Ele revela uma realidade do país. Não estamos aqui falando de uma situação isolada em que tivemos esse tipo de situação expressa na esterilização judicial. Na verdade, o caso da Janaína revela muitas e muitas Janaínas pelo Brasil todo”, disse.

Kelly lembrou ainda que é preciso apurar as condições em que Janaína perdeu a guarda do filho recém-nascido. “Revela uma criança já colocada em uma família substituta antes do processo de destituição familiar”, acrescentou. A moradora de rua não está, atualmente, com nenhum de seus filhos.

“Esse caso de Janaína é mais um caso dos muitos que já vimos acontecer de violação do Estado, de opressão de raça, classe e gênero. Quem trabalha na rede de atendimento vê essas violações acontecendo com muita frequência”, enfatizou Flávia Roberta, que faz parte do Conselho do Núcleo de Sexualidade e Gênero do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo sobre como esse tipo de situação é sustentada por posições ideológicas que permeiam as estruturas do Estado.