ARTIGOS
Macabéas contra a guerra
Por RICARDO A. FERNANDES, [email protected]
[email protected]
Publicado em 25/02/2022 às 19:29
Alterado em 25/02/2022 às 19:29
Neste momento, quantas mães ucranianas tapam os ouvidos dos seus filhos, a proteger-lhes de estampidos mortíferos dos mísseis que atingem casas ao lado? Quando não caem em suas próprias salas de estar, tirando-lhes a vida. O que leva um soldado a apertar botões e disparar projéteis que destroem prédios inteiros com gente dentro? Por qual razão um sujeito, protegido pelos portões do palácio onde vive, declara guerra a outro país?
O que move soldados, generais e presidentes ao combate bélico tem um nome, apenas: covardia. Pois é covarde quem aperta botões e aciona mísseis apontados a pessoas indefesas. Tão covarde quanto quem o autoriza e, depois, o premia por bravura ao defender a pátria. A medalha, um peso no peito, que não aliviará a carga nos ombros do soldado todas as noites, antes de dormir, quando vir sua derrotada imagem refletida no espelho próximo à cama.
Ao presidente, distribuidor máximo de honrarias militares, restará o consolo de homenagear os assassinos sob sua tutela. Disfarçará, assim, sua vergonha por sacrificar milhares, milhões de almas desconectadas da mesquinharia que move os interesses estatais, sempre privados, em última análise.
Esta semana, a respeito da guerra declarada pela Rússia à Ucrânia, disse a manchete deste Jornal do Brasil: “Rússia invade a Ucrânia nas ‘horas mais sombrias’ da Europa desde a Segunda Guerra Mundial”. Não bastaram os milhões de soldados russos mortos por nazistas, homenageados recentemente pelo patético comandante do Executivo brasileiro?
Ao que parece, a vergonha não tem limites. Lustrada com o pano da indiferença, é entregue como troféu aos beneficiados de uma guerra suja, aliás, como todas as guerras. À leste e à oeste da fronteira ucraniana, onde o cinismo despudorado dos mandatários da OTAN se mostra evidente, há anos, ao incentivar exercícios militares próximos à Rússia.
A guerra poderia ter sido evitada. Mas a fraqueza de espírito, preguiça, mesquinharia e reduzido tecido moral dos responsáveis impediram uma solução por meios diplomáticos. Resultado: morrem civis ucranianos – como morreram, recentemente e apenas para citar alguns exemplos, civis afegãos e iraquianos – enquanto discursos evasivos são pronunciados.
Fica uma sugestão aos governos e seus ministérios das armas: em vez de “Ministério da Defesa”, passem a usar a denominação “Ministério do Ataque”. Querem atacar, matar, lucrar com compra e venda de armas, apossar-se de bens alheios fora do seu território, subjugar cidadãos e afirmar sua pretensa superioridade sobre povos atacados? Que o façam, ao menos, sem a desculpa hipócrita da defesa. Libertem a palavra para os interessados em construir um mundo um pouco menos indigno.
No dia em que esta guerra foi declarada, li uma frase que me tocou de maneira forte: uma amiga, filha de mãe ucraniana, pai russo e que vive no Brasil há anos, declarou não entender como o país do seu pai iniciou um bombardeio ao país da sua mãe. Como o Ministério da Defesa russo justificaria tal afronta? E como não se solidarizar com ucranianos, russos e cidadãos do mundo todo que se manifestam contra este conflito?
Como não ser solidário à Ucrânia, país irmão que nos emprestou Clarice Lispector? A mãe literária da Macabéa. O que teriam a dizer as Macabéas ucranianas, russas, brasileiras, acostumadas a levar as cicatrizes do mundo no peito, a respeito de mais esta guerra covarde no planeta onde – ainda – vivem?
Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.