Vida eterna ou repousar no passado distante?

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Por RICARDO A. FERNANDES

Esta semana, li nos jornais que um laboratório pretende reviver o lobo-da-tasmânia, marsupial listrado extinto há 90 anos. Cientistas envolvidos com recriação de genoma dizem que trazer de volta o animal seria uma grande conquista. Alguns alegam, de maneira nobre, que isso evitaria o desaparecimento de seres atualmente ameaçados, reestabelecendo suas populações ao ponto de torná-las sustentáveis. Outros, mais empolgados, dizem ser “altamente possível que o tilaciano – o tal lobo-da-tasmânia – nasça antes do mamute”.

O autor da frase acima é Bem Lamm, cofundador da Colossal, empresa envolvida no projeto. Segundo a Folha de São Paulo, em reportagem publicada originalmente no jornal “Financial Times”, o dono da companhia com nome grandioso afirma que pretende converter o processo de edição de genes para futuro uso comercial em humanos.

Não sou dotado de visão comercial aguçada o suficiente para antever qual seria o uso de tal tecnologia genética aplicada em humanos. Certamente a parte da população que deseja ter focinhos compridos ou listras na pele é pequena demais para justificar os milhões investidos no projeto. Bem maior deve ser a quantidade de gente disposta a apurar o olfato para achar dinheiro ou se camuflar nas selvas de pedra das grandes cidades. Mas aí já é outra história.

O que chama a atenção é o desejo de recriar um passado extinto há séculos. É como se, pelas lentes dos microscópios, fosse possível observar todo um universo que nos deixou e regatá-lo para que o moldemos à nossa maneira. Mamutes? Criaríamos imensos zoológicos, como no filme Jurassic Park, e, usando o poder da genética, amansaríamos os monstros lá reclusos. Selvageria, só nos livros de história. E se tais livros, porventura, trouxessem à tona nosso passado de violência, bastaria queimá-los.

A colossal empresa pode até – Por que não? – resgatar humanos. Podemos imaginar, revivido, aquele ente querido que nos deixou. Basta um pedaço de osso ou fio de cabelo guardado num pote plástico e a mágica da ciência nos trará de volta a pessoa amada.

Quem sabe, assim, driblaríamos nossa própria morte? Já pensou, a leitora ou leitor, ressurgir do inevitável derradeiro, substituindo-o por um apenas sono profundo guardado em algum depósito refrigerado da, por exemplo, empresa Colossal? Você, eu, congelados num tubo com nitrogênio ao lado da zebra-de-seis-patas devorada por dinossauros na Era Mesozoica? O sonho da vida eterna, dos super-humanos, esse delírio que a consciência da finitude insiste em nos negar, finalmente se realizaria. Nós, seres humanos livres da morte, destinados à glória eterna.

Podemos enganar conclusão da vida. Mas e quanto ao imponderável? Turistas lado de lá, com prazo de expiração do visto, teríamos controle sobre o cientista que, depois de uma noite em claro bebendo com os amigos, chega no trabalho, troca o receptáculo do mamute pelo nosso e, acidentalmente, nos derruba no chão? Nossas expectativas podem também ser canceladas por algum desavisado que tropeça no fio da geladeira em que repousamos. E se a empresa Colossal falir e ninguém se interessar pela compra do seu estoque?

Desconheço a opinião da amiga ou amigo que lê este artigo, mas não acho que estejamos prontos para substituir o ponto final pelo ponto e vírgula. Eu que, desde criança, tive dificuldade com o ponto e vírgula, prefiro o fim. A vírgula, deixo ao imponderável de outras esferas. E já que é para pontuar, alguém perguntou para o mamute, para o lobo-da-tasmânia, a zebra-de-seis- patas ou o longínquo T. Rex se eles não preferem a sentença escrita no seu passado distante?

Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SP). Autor do romance “Através”.