ARTIGOS

Carícias neoliberais

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 26/02/2023 às 08:00

Alterado em 26/02/2023 às 11:18

O recente tiroteio sobre o nível dos juros no Brasil me deixa com duas desconfianças : a primeira é a de que talvez haja incompetência dos dirigentes do Banco Central; a segunda é a de que a maioria do chamado “mercado" tem enorme irritação com políticas sociais e investimentos públicos no Brasil.

Sobre a primeira desconfiança, tanto as entrevistas de Andre Lara Rezende quanto as excelentes análises de Gilberto Côrtes, estas últimas aqui no JB, me parecem levantar pontos até agora não respondidos. Quanto à segunda, a leitura de editoriais e de colunistas dito econômicos me faz suspeitar que o “mercado" pode conviver muito bem com o indecoroso desnível social no país e teme que os projetos e iniciativas governamentais nas áreas de saúde, educação e legislação trabalhista possam levar à breca o harmonioso caldeirão macroeconômico do posto Ypiranga e suas bruxas.

A conclusão a que chego, talvez precipitada vá lá, é a de que o nosso pensamento econômico está profundamente associado aos decrépitos conceitos do neoliberalismo hoje em franco descrédito como motor do crescimento econômico nos países centrais, a começar pelos Estados Unidos da América onde o Presidente Biden insistentemente assinala a importância dos investimentos públicos para sanear a economia americana, após os anos do neoliberalismo inaugurado no reinado Reagan.

A insistência de nossos economistas, sobretudo os que se entretecem na teia governamental e se lambuzam na colmeia do mercado financeiro, em alertar o distinto e crédulo público de que não se deve balançar o andar do andor porque o santo é de barro, deve provocar gemidos de satisfação nos bolsobestas de plantão, sempre a defender o sacrifício da Democracia e o estrangulamento da Constituição de 1988 . Em nome de uma autocracia verde-náusea.

O neoliberalismo vive há muito de explorar os temores de um mais do que morto comunismo para asfaltar a estrada de um capitalismo ganancioso sem a menor preocupação com o empobrecimento de massas consideráveis de cidadãos de classe média que perderam emprego e dignidade com reformas ditas modernas, tanto nas leis trabalhistas quanto nas de Previdência social. A lei de Previdência social no Chile de Pinochet levou e ainda leva a uma epidemia de suicídios de idosos que se viram no fim de trinta ou mais anos de trabalho reduzidos a uma pensão insuficiente para a manutenção de uma vida digna. Nosso posto Ipiranga pode muito bem nos iluminar sobre o tema.

Outra falcatrua usual dos neoliberais é a de espalhar que o setor público gerencia mal, corrompe sistematicamente e é improdutivo por natureza . Derivam deste conceito as sacrossantas recomendações liberais de que se deve privatizar tudo ( mais uma vez, surge o pernóstico Posto Ypiranga a ameaçar privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Lembram? ) além de reduzir os impostos para empresas e desta forma estimular o espírito animal do empresário. O mecanismo apenas aumentou o número de mega-ricos e aprofundou o desnível social. Põe animal nisto.

Os tristes espetáculos que vimos ocorrer nos Estados Unidos com grandes empresas e agora aqui com as Lojas Americanas acendem um sinal amarelo-vermelhidão em relação à cantoria neoliberal e jogam por terra a teoria da inabalável honestidade e lisura do empresário. Quebrar as lojas americanas é triste, mas correr o risco de quebrar a Eletrobrás é crime.

Talvez, o leitor esteja a se perguntar aonde quero chegar com a descrição desses fatos que já são sobejamente conhecidos. A razão é muito simples. Os quatro anos do governo Bolsonaro nos levaram ao pior do que se possa tolerar em governos ditos democráticos. O eleitorado brasileiro— apesar de todas as manobras sórdidas a que foi submetido- optou pela preservação dos direitos constitucionais inscritos na Constituição de 1988, dentre os quais avulta o Estado de Bem Estar Social. E o Brasil vive um estado infernal em que se levantam dúvidas sobre um governo decidido a cumprir a Constituição.

As palavras podem ser floreadas de argumentos falsamente jurídicos ou econômicos mas resultam sempre na tentativa de perpetuar mecanismos de opressão social. A esta estratégia da cobiça, sob qualquer de suas formas, inclusive a ambiental , a sociedade deve manifestar sua mais contundente repulsa, através do exercício pleno da cidadania.

Domingo que vem, pretendo descrever o que considero o maior embuste internacional do neoliberalismo e suas profundas consequências para a saúde pública. Até lá.

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