A importância da regulamentação para coibir a manipulação de jogos

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Por BERNARDO FREIRE

É usual verificar, principalmente nas redes sociais, em que quase sempre as conclusões são precipitadas, uma pretensão de vincular os escândalos de manipulação de resultados em esportes variados à atuação – e iminente regulamentação – das casas de apostas. É uma lógica desarrazoada: as casas de apostas, cujo lucro depende intrinsecamente da credibilidade dos jogos e resultados e que, portanto, são as maiores interessadas em manter os jogos livres de quaisquer suspeitas, supostamente participariam de esquemas que fulminam exatamente tal credibilidade.

Coloca-se, pois, a culpa nas maiores vítimas de tais esquemas. É uma tese completamente sem sentido, mas que atraiu o interesse até do Congresso Nacional. É basicamente questionar o banqueiro sobre a conduta do ladrão de bancos. A incoerência é ainda mais grave quando se verifica que escândalos de manipulação de resultados ocorrem há muito tempo.

A Itália, campeã da Copa do Mundo em 1982, teve como seu grande destaque o falecido Paolo Rossi, que até seis meses antes daquele Mundial, estava suspenso por manipulação de jogos. No Brasil, a Máfia do Apito, em idos de 2005, provocou o cancelamento de vários jogos em razão da descoberta da manipulação dos resultados, o que influenciou decisivamente para a conclusão do Campeonato Brasileiro daquele ano, com o título do Corinthians.

O problema, pois, é absolutamente independente da autorização da atividade das casas de apostas no Brasil – o que ocorreu apenas em 2018. O curioso é que o ataque às casas de apostas ocorre exatamente quando se está na iminência de sua regulamentação, erroneamente postergada por quatro anos pelo governo anterior. Alguns até parecem entender que a regulamentação das apostas pode incentivar de alguma forma a ocorrência de manipulação de jogos. É exatamente o contrário!

Ora, um dos pilares de uma boa regulamentação é, exatamente, a coibição das ilegalidades e a criação de um sistema que viabilize o impedimento de apostas em jogos em que verificado um alto número de apostas suspeitas. É um modelo que, inclusive, já é adotado pelas principais empresas do setor. Sempre que verificam um número incomum de apostas em alguma partida, as empresas bloqueiam a realização de quaisquer apostas nessa partida específica e comunicam a CBF e o órgão policial competente. Usam, para tanto, de tecnologia de entidades nacionais e internacionais criadas exatamente para combater a manipulação de resultados.

Só que, sem a regulamentação, esse procedimento não é obrigatório, o que possibilita que empresas, hoje, deixem de tomar medidas nesse sentido, prejudicando a si próprias, os consumidores e o esporte como um todo. Importante destacar, nesse aspecto, que a legislação vigente já prevê mecanismos de coibição do controle dos resultados dos jogos. O artigo 243 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, por exemplo, prevê a possibilidade de banimento do esporte de quem se envolver em manipulação (entidade ou atleta). Em igual sentido, os artigos 41-C, 41-D e 41-E do Estatuto do Torcedor preveem pena de prisão de até seis anos e multa para todos os envolvidos. Isso sem falar em outros crimes, como formação de quadrilha e estelionato, em que os envolvidos poderiam incidir.

Tais penas podem inclusive ser majoradas pela regulamentação, se for realizada por medida provisória. Também é discutida a criação de uma agência reguladora, que pode criar mecanismos para impedir de forma ainda mais contundente as ilegalidades, com procedimentos de investigação e punição desportiva e criminal mais céleres e rígidos.

Por exemplo, pode-se prever que todas as casas de apostas têm o dever, sob pena de cassação da licença, de adotar mecanismos para verificar e informar a agência reguladora a respeito de jogos manipulados, estipulando-se um prazo curto de análise e punição dos envolvidos. Algo como uma análise expedita, o que já existe no Tribunal Arbitral do Esporte. Assim, os envolvidos são punidos desportivamente e a investigação encaminhada aos órgãos policiais e Ministério Público, para a adoção das medidas criminais.

A verdade, pois, é que a regulamentação tem tudo para fortalecer tanto a fiscalização como a punição dos manipuladores, o que certamente é o maior interesse das casas de apostas, ao contrário do que vem sendo plantado nas redes sociais. A manipulação de resultados é crime e deve ser tratada e investigada como tal. Não precisa de teoria ilógica ou de boato de mídia social. É essencial, sim, a regulamentação e a atuação diligente dos órgãos competentes.

 

Bernardo Freire é sócio do Wald Advogados