POLÍTICA
Mais um: superpedido de impeachment deve listar acusações de mais de 20 crimes atribuídos ao presidente
Por Jornal do Brasil
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Publicado em 20/06/2021 às 08:08
Alterado em 21/06/2021 às 21:39
Em articulação conjunta, partidos de esquerda e ex-aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) elaboram um superpedido de impeachment que deverá apontar mais de 20 tipos de crime contra a lei de responsabilidade.
A versão mais recente do relatório, obtida pela Folha, lista a infração de dispositivos da lei de impeachment (1.079/1950) e deverá ser apresentada a líderes partidários após as manifestações contra o presidente neste sábado (19).
Em abril, legendas de oposição a Bolsonaro deram início ao plano de unificar todos os pedidos de impeachment já protocolados na Câmara.
Hoje, são 121 já apresentados. O resultado é chamado de superpedido ou pedidão de impeachment —o termo varia a depender do integrante do grupo.
Desafetos de Bolsonaro, como os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (que está de saída do PSL), também se uniram ao projeto. Presidentes de PSOL, PT, PC do B, PDT, PSB, Rede, UP, PV e Cidadania têm liderado as discussões.
O discurso oficial é que, por se tratar de iniciativa supraideológica, o pedido tende a ganhar força e elevar a pressão para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), analise as acusações.
Nos bastidores, porém, há ceticismo em relação à real chance de o pedido de afastamento de Bolsonaro prosperar. Desde que passou a distribuir cargos políticos e emendas parlamentares, o presidente atraiu o centrão e ampliou sua base de apoio no Congresso.
Caberá ao superpedido de impeachment dar sustentação ao mote "fora, Bolsonaro" nas manifestações de rua contra o governo e prolongar o ciclo de desgaste do presidente até 2022.
Advogados que integram o grupo suprapartidário encadearam atos de Bolsonaro e relacionaram os episódios a diversos supostos crimes, de acordo com a lei de responsabilidade.
Procurado, o Palácio do Planalto não respondeu às acusações levantadas pelo grupo.
Ameaças ao Congresso Nacional e ao STF (Supremo Tribunal Federal) devem fazer parte da sustentação ao pedido de impeachment. O apoio e a participação em manifestação antidemocrática, "afrontosa à Constituição", segundo o pedido, e em defesa do AI-5 (Ato Institucional nº 5) da ditadura militar também estão na lista.
A peça deve resgatar declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e acusações contra Bolsonaro por tentativas de interferência na Polícia Federal para favorecer familiares. Moro deixou a pasta no ano passado após o episódio.
Outro item é a troca na cúpula das Forças Armadas e do Ministério da Defesa, em março deste ano. Por atrito com Bolsonaro, comandantes de Exército, Aeronautica e Marinha deixaram os cargos.
Omissões e falhas na condução do combate à pandemia da Covid-19 também devem fundamentar a defesa pelo impeachment do presidente.
Responsáveis pela unificação de todos pedidos já protocolados dizem ser possível afirmar que Bolsonaro incorreu em mais de 20 tipos criminais previstos na lei de impeachment, e em alguns casos agindo de forma reiterada.
De acordo com o planejamento do grupo, a próxima etapa é reunir os principais líderes do movimento, apresentar o relatório e, se aprovado, converter o texto em um documento formal a ser entregue à Câmara.
"A expectativa é que a plenária [para analisar o relatório] seja marcada até uma semana após as manifestações de 19 de junho", disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Líder da oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que a mobilização popular deve acelerar a iniciativa do superpedido de impeachment.
"Isso vai aumentar a pressão, porque fica ainda mais claro para o presidente da Câmara que não se trata de uma medida apenas de quem é contra o governo, da oposição, mas de um apelo, de uma exigência da nação", afirmou Molon.
Um dos principais argumentos contra Bolsonaro deve ser o apoio e a participação dele em atos antidemocráticos no ano passado.
Nos primeiros meses da pandemia, o presidente foi pessoalmente a manifestações em Brasília de apoiadores a ele e com críticas ao STF e ao Congresso. Alguns defendiam a intervenção militar.
"Tenho certeza de uma coisa, nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, e pela liberdade. E o mais importante, temos Deus conosco", afirmou Bolsonaro, em maio de 2020.
E depois concluiu: "Peço a Deus que não tenhamos problemas essa semana. Chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão".
A participação de Bolsonaro nessas manifestações geraram críticas de juristas e políticos na época.
Outro importante pilar de sustentação do pedido de impeachment é o ex-ministro Moro. Em abril de 2020, ele pediu demissão do Ministério da Justiça sob o argumento de que não concordava com a conduta do chefe de interferir no trabalho da Polícia Federal.
Moro afirmou ainda que Bolsonaro queria ter acesso a informações e relatórios confidenciais de inteligência da PF.
Em relação à pandemia, o relatório cita uma série de comportamentos do presidente que, segundo os juristas responsáveis pelo documento, configuram crime de responsabilidade.
Entre as atitudes de Bolsonaro está a postura negacionista em relação ao vírus, "descredibilizar as instituições científicas e incentivar a população a se medicar com fármacos sem eficácia comprovada".
Quando a quantidade dos pedidos de impeachment já ultrapassava a marca de cem, Lira afirmou que 100% eram inúteis.
"O tempo é o da Constituição, na conveniência e na oportunidade. Os pedidos de impeachment, em 100%, não 95%, em 100% dos que já analisei são inúteis para o que entraram e para o que solicitaram", afirmou Lira, há cerca de dois meses.
Cabe a ele, que é próximo de Bolsonaro e é líder do centrão, dar início ao processo de afastamento do presidente.
- O presidente da Câmara dos Deputados é o responsável por analisar pedidos de impeachment do presidente da República e encaminhá-los
- O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é aliado de Jair Bolsonaro. Ele pode decidir sozinho o destino dos pedidos e não tem prazo para fazê-lo
- Nos casos encaminhados, o mérito da denúncia deve ser analisado por uma comissão especial e depois pelo plenário da Câmara. São necessários os votos de pelo menos 342 dos 513 deputados para autorizar o Senado a abrir o processo
- Iniciado o processo pelo Senado, o presidente é afastado do cargo até a conclusão do julgamento e é substituído pelo vice. Se for condenado por pelo menos 54 dos 81 senadores, perde o mandato
- Os sete presidentes eleitos após a redemocratização do país foram alvo de pedidos de impeachment. Dois foram processados e afastados: Fernando Collor (1992), que renunciou antes da decisão final do Senado, e Dilma Rousseff (2016)
- Crime contra a existência política da União. Ato: fomento ao conflito com outras nações
- Hostilidade contra nação estrangeira. Ato: declarações xenofóbicas a médicos de Cuba
- Crime contra o livre exercício dos Poderes. Ato: ameaças ao Congresso e STF, e interferência na PF
- Tentar dissolver ou impedir o funcionamento do Congresso. Ato: declarações do presidente e participação em manifestações antidemocráticas
- Ameaça contra algum representante da nação para coagi-lo. Ato: disse de que teria que "sair na porrada" com senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), membro da CPI da Covid
- Opor-se ao livre exercício do Poder Judiciário. Ato: interferência na PF
- Ameaça para constranger juiz. Ato: ataques ao Supremo
- Crime contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Ato: omissões e erros no combate à pandemia
- Usar autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder. Ato: trocas nas Forças Armadas e interferência na PF
- Subverter ou tentar subverter a ordem política e social. Ato: ameaça a instituições
- Incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina. Ato: ir a manifestação a favor da intervenção militar
- Provocar animosidade nas classes armadas. Ato: aliados incitaram motim no caso do policial morto por outros policiais em Salvador
- Violar direitos sociais assegurados na Constituição. Ato: omissões e erros no combate à pandemia
- Crime contra a segurança interna do país. Ato: omissões e erros no combate à pandemia
- Decretar o estado de sítio não havendo comoção interna grave. Ato: comparou as medidas de governadores com um estado de sítio
- Permitir a infração de lei federal de ordem pública. Ato: promover revolta contra o isolamento social na pandemia
- Crime contra a probidade na administração. Ato: gestão da pandemia e ataques ao processo eleitoral
- Expedir ordens de forma contrária à Constituição. Ato: trocas nas Forças Armadas
- Proceder de modo incompatível com o decoro do cargo. Ato: mentiras para obter vantagem política
- Negligenciar a conservação do patrimônio nacional. Ato: gestão financeira na pandemia e atrasos no atendimento das demandas dos estados e municípios na crise de saúde
- Crime contra o cumprimento das decisões judiciais. Ato: não criar um plano de proteção a indígenas na pandemia (Folhapress)