POLÍTICA

Voto impresso: saída para eleição justa ou retorno à época das fraudes?

Uma articulação de bastidores de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) levou 11 partidos, inclusive governistas como PP, PL, PSD e Republicanos, a se unirem contra a PEC. Afinal, a confiabilidade das urnas eletrônicas deve ser questionada?

Por Felipe Camargo e Ana Livia Esteves

Publicado em 03/07/2021 às 08:19

Alterado em 03/07/2021 às 08:20

Justiça Eleitoral lacrando e preparando urnas (arquivo) Folhapress: Zanone Fraissat

A proposta do Voto Impresso é apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, que desacredita as urnas eletrônicas e acusa fragilidade no sistema atual, alegando inclusive que haverá fraude na eleição de 2022, caso o sistema impresso não seja adotado.

Por sua vez, Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que o "voto impresso vai potencializar o discurso de fraude".

Walter de Macedo Rodrigues, advogado e professor de Direito Digital e mestrando de Segurança da Informação na UFPE, afirmou que, antes de falar do voto impresso, é importante falar da votação eletrônica, ressaltando que todo sistema de segurança é falho.

"É imprescindível, que exista a capacidade de você implementar determinados sistemas de segurança, então esta capacidade é uma necessidade de sair da teoria à prática. O que é importante não é se a segurança será perfeita, mas sim que seja relevante, que permita o bom funcionamento do sistema, sem ser comprometido de maneira irreversível", disse Macedo Rodrigues em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil.

De acordo com o especialista, quando pensamos no sistema de segurança de uma urna eletrônica, temos de pensar no sistema que tenha custo-benefício, e dentro disto nós temos escolhas técnicas a serem tomadas para torná-lo mais ou menos seguro, considerando a forma de implementação e quais serão os artifícios de segurança que serão aplicados ao sistema.

"Existe um princípio norteador da segurança eletrônica, que diz que para todos os sistemas de segurança de votação eletrônica você deve ter um meio físico de poder confirmar, para que possa auditar aquela votação. E este princípio, ele norteia a maneira como nós criaremos o sistema de verificação, inclusive no Brasil", explicou.

Walter de Macedo Rodrigues recorda que quando na sessão eleitoral, em que está a urna de votação, termina o dia de votação, a quantidade de votos registrada na sessão é impressa da urna para que seja exibida na porta, e esta é uma forma de cumprir com este princípio norteador, contudo, tem gente que acha que esta medida não é suficiente para poder fazer uma verificação independente.

"Existem dois problemas para as pessoas que argumentam que isto não é suficiente. O primeiro problema é argumentar que, de alguma maneira, você ainda estaria confiando no software que contabiliza os votos, e que você não consegue separar os votos individualmente para contabilizar por fora. O outro argumento é que, uma vez que estes votos são enviados para os supercomputadores do TSE, esta verificação não conta este processo de automatização realizado pelos supercomputadores, então temos uma outra situação que muitos argumentam que poderia haver uma vulnerabilidade", explica.

Contudo, a proposta do Congresso não trata de nenhuma destas situações, "a proposta diz que você deve levar para casa o seu voto", e a ideia disso é, no mínimo, controversa, pois "o Brasil tem histórico de 100 anos atrás de fraudar eleição".

"Depois da República da Espada, nós temos a época da chamada República Velha e depois a República Populista, e tivemos sistemas, como o sistema do café com leite, do coronelismo, ou seja, sistemas que, de certa maneira, sistematizaram o chamado voto de cabresto. Hoje, ele acontece de maneira mais sutil, relacionado mais com a política regional [...]", recorda.

O professor ainda explica que hoje nós temos o voto obrigatório, justamente porque em uma determinada época uma das maneiras de fazer com que certo grupo de pessoas fosse alienado da votação, fosse removido da votação, era impedindo que este grupo fosse votar, e quando o voto é obrigatório há uma responsabilidade objetiva, que será definida ou por parte da pessoa que não vota, ou por parte do órgão que não permitiu a pessoa votar.

Uma maneira muito eficiente de checar se sua ação coercitiva, de alguma maneira, teve ou não sucesso, seria naturalmente checando se aquele voto foi ou não colocado da maneira como foi especificado. Então, a tentativa de barrar a iniciativa do voto impresso tem a ver com o sentido de proteger o sistema eleitoral.

"A democracia é um sistema em que é imprescindível a transição pacífica de poder através do processo eleitoral. Então, a confiança na democracia é tão boa quanto a confiança no sistema e na manutenção deste sistema eleitoral", explicou.

"Uma maneira de deslegitimar a democracia é diminuindo a confiança neste sistema, argumentando, justamente, que existe um problema na segurança do processo eleitoral. Então, para isso, basta escolher apenas qualquer questão técnica [...] Tentar, através do capital político desta discussão, alterar o processo eleitoral para piorá-lo com uma melhoria que não está respaldada cientificamente, prejudicando ainda mais o processo eleitoral, erodindo a instituição democrática", ressaltou.

Processo eleitoral no Brasil é inseguro?

Falando sobre como a proposta pode preencher as lacunas no sistema, Walter de Macedo Rodrigues acredita que "tecnicamente existe a possibilidade de melhoria no sistema de votação eletrônica brasileiro", mas que é controverso dizer que o sistema seja inseguro.

"Havia uma mobilização inicial para, de alguma maneira, deslegitimar a reeleição de Dilma Rousseff em 2014 para 2015, e a maneira de deslegitimar isso era justamente criando uma narrativa de que existia um problema de segurança no processo eleitoral", disse.

O professor também enfatizou que o Brasil tem normas eleitorais muito sólidas, algumas delas respaldadas em Constituição, outras estão respaldadas em lei eleitoral e outras são normatizadas diretamente pelo TSE.

No Brasil, para poder fazer uma modificação da norma eleitoral, é preciso muito capital político. Sendo assim, muita coisa do Congresso é teatro, para criar uma narrativa, para poder conseguir este capital político, não necessariamente para alterar o sistema de votação.

"Pensar que uma narrativa de alterar o sistema de votação no Brasil quer se converter em uma lei que de fato altere o sistema de votação no Brasil é uma falácia, não existe uma correlação. Nós vimos muita proposta, como a lei da Fake News, que acabou parando no Congresso, mas serviu para dar visibilidade a processos de investigação relacionados ao assunto. A lei da Fake News afeta cada brasileiro, porém a investigação afeta exclusivamente aquele grupo investigado", ressaltou.

"Eu acredito que não exista nenhuma ideia séria de alteração do sistema eleitoral hoje, como ele está sendo feito. É um sistema eleitoral que ganhou prestígio considerável, especialmente pela serenidade e confiança da própria população", afirmou.

Além disso, o professor afirmou que acredita que algumas modificações de segurança ocorram, contudo, nenhuma mudança radical.

Quais grupos são contra a proposta?

De um lado, nós temos a situação que quer justamente manter a confiança do processo eleitoral, e esta confiança passa justamente por não fazer grandes alterações, de maneira a não criar novas discussões sobre questões que nunca foram problematizadas. Até que certos grupos políticos quiseram deslegitimar o processo democrático em si e, nesse caso, tem sido o governo e entidades ligadas ao governo, que possuem a mesma estratégia de Donald Trump, nos EUA, que pega a narrativa e transfere para outro contexto após o processo eleitoral.

Explicando o caso de Trump, o professor afirma que se, após o processo eleitoral, ele ganhar, então não teve problema, mas se perder, teve um problema, manipulando a narrativa para de alguma forma deslegitimar o processo eleitoral, esse é o centro da questão.

Sendo assim, o governo brasileiro está tentando trazer em pauta o assunto da insegurança do sistema eleitoral, questionando diversos problemas e inflacionando questões técnicas como se fossem determinantes para a segurança do processo da votação eletrônica.

"Este será o objetivo do governo, pois ele está perdendo muita popularidade e sabe que tem uma probabilidade real de perder o próximo pleito eleitoral, e naturalmente vai tentar encontrar maneiras de conseguir capital político para, de alguma maneira, desestruturar a democracia como temos no Brasil', afirmou Walter de Macedo Rodrigues.

Neutralização da narrativa

Comentando o assunto, o professor afirmou que com relação à base eleitoral do governo, que é uma base muito fiel, não há nada o que fazer e não tem como ser neutralizada.

"A base eleitoral do governo é uma base muito fiel, ou seja, não importa o quão ruim esteja o país, eles não vão olhar para a situação prática e fazer uma associação de que o que está acontecendo na prática está associado ao governo. Como esta base está muito polarizada, ela vai acreditar na narrativa que for veiculada pelo governo. Quanto a este grupo, não há o que fazer, não há o que neutralizar", explicou o professor.

Com relação à população geral, o professor declarou que o mais importante é que entendam o funcionamento da votação eletrônica no Brasil e que o sistema de votação é seguro e que, apesar desta segurança não ser perfeita, é razoável.

Já a oposição pode tentar neutralizar, "é tentar não chegar em um ponto que isso possa ser explorado, eles podem matar na concepção, com uma lei rápida, ou eles podem simplesmente abafar".

Violação do sigilo de voto

Do ponto de vista jurídico, nós temos votos impressos de diferentes maneiras, podemos imprimir individualmente cada voto, que ficaria em um cofre que não poderia ser violado, mas que poderia ser usado posteriormente para auditar a eleição.

"Poderíamos tentar fazer com que estes cofres não fossem obrigatórios para todas as urnas, mas que fossem distribuídos em urnas diferentes para que a auditoria pudesse ser separada", opinou o professor.

Para Walter de Macedo Rodrigues, também poderia ser feito com que estes votos fizessem parte da contagem geral, o que acabaria com a celeridade da eleição e provavelmente teria o efeito oposto de legitimar o processo.

"A minha dissertação de mestrado propõe uma situação que você pode auditar, você pode levar o voto para casa e manter a segurança. E a ideia de você fazer uma implementação eletrônica com o uso de blockchain. Em termos de custo-benefício, é justamente o que está sendo estudado por mim, e é muito provável que deveria haver uma mudança paradigmática para poder haver uma implementação para a próxima eleição, o que naturalmente não vai acontecer. É muito provável que uma solução usando o blockchain permitiria tanto a auditoria quanto a secretude do voto, quanto o anonimato, este sistema precisaria ser implementado por fases, usando um grupo nicho de teste", afirmou.

De acordo com o professor, uma solução usando o blockchain seria uma solução segura e que permitiria levar o voto para casa.

"Hoje, na prática, eu não acredito que haja uma maneira viável de implementar um tipo de segurança como este, eu acredito que haja a possibilidade de levar o voto para casa significaria comprometer o sistema de segurança, por causa da dificuldade técnica de realizar este tipo de implementação", ressaltou.

"Na minha opinião, se houver alguma mudança para ser realizada, será por parte do TSE e não por parte do Congresso", concluiu. (com agência Sputnik Brasil)