Moro recebeu R$ 3,65 milhões em 'consultorias' a empreiteiras alvos da Lava Jato
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Depois de meses de especulação sobre o salário na Alvarez & Marsal e um pedido formal do Tribunal de Contas da União (TCU) para tornar públicos os rendimentos, o pré-candidato a presidente Sérgio Moro (Podemos) revelou nessa sexta-feira, 28, que recebeu um salário bruto de 45 mil dólares no período em que trabalhou para a consultoria americana. A informação foi dada em uma transmissão ao vivo nas redes sociais ao lado do deputado federal Kim Kataguiri (Podemos).
“Não estou fazendo isso por CPI, porque eles recuaram, e também não estou fazendo isso pelo TCU, porque o TCU está abusando do poder”, afirmou Moro ao iniciar a live. O valor total recebido e convertido é de R$ 3,65 milhões.
O ex-juiz da Operação Lava Jato foi contratado para atuar na área de ‘Disputas e Investigações’, que presta assistência a empresas clientes no desenvolvimento de políticas antifraude e corrupção, governanças de integridade e conformidade e políticas de compliance. Moro passou 11 meses na companhia, entre dezembro de 2020 e novembro de 2021, intervalo entre sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro (PL) e a filiação ao Podermos com intenção de disputar as eleições deste ano.]
Apesar da ordem do ministro Bruno Dantas, do TCU, para informar os rendimentos, o salário vinha sendo mantido em sigilo pelo ex-juiz e pela Alvarez & Marsal. O contrato que selou a entrada de Moro na empresa tem uma cláusula de confidencialidade que impedia a divulgação de informações sem consentimento mútuo.
O Estadão conversou com o CEO da Alvarez & Marsal Brasil, Marcelo Gomes, e com o sócio-diretor da Alvarez & Marsal Administração Judicial, Eduardo Seixas, pouco antes da abertura dos dados. Após a live de Moro, a empresa vai enviar as informações compiladas ao TCU. De acordo com os executivos, a direção da companhia e o ex-juiz chegaram ao acordo de que a publicidade do salário era o melhor caminho.
“Estamos fazendo isso porque o Moro nos autorizou a fazer. A gente entende que não tem nada a esconder”, afirma Seixas.
“A iniciativa partiu de conversas dos dois lados, porque a gente conversa sempre, e foi um consenso de que não fazia sentido continuar com um bombardeio de uma informação que é irrelevante e que deveria ser passada. Tanto nós quanto ele chegamos a um acordo de que isso era o mais correto a se fazer. Não foi uma solicitação dele [Moro], nem uma solicitação nossa, foi um acordo”, acrescenta Gomes.
A polêmica em torno da contratação e dos ganhos de Moro foi levantada em razão do rol de clientes da Alvarez & Marsal. A empresa é responsável por administrar a recuperação judicial de empreiteiras investigadas na Lava Jato, incluindo a Odebrecht. Na condição de juiz, Moro autorizou acordos de leniência e delações premiadas que beneficiaram a construtora, seus sócios e executivos. Como contratado da consultoria, não teve participação no setor.
“Moro não teve nenhum vínculo, ao longo desse período todo, com a área de administração judicial. Como a Odebrecht era um caso relevante, nós inclusive incluímos nominalmente no contrato que ele não poderia, em hipótese nenhuma, atuar em serviços que envolvessem o grupo”, reitera Seixas. “Como é que ele [Moro], lá em 2013, 2014, investigou uma companhia pra que a companhia entrasse em recuperação judicial depois de sete anos. É uma coisa até fantasiosa. Ele ia sair da magistratura, virar ministro, depois de ministro ia pra pra iniciativa privada, enfim é uma coisa até complexa de se imaginar.”
A própria Alvarez & Marsal já comunicou ao TCU os lucros auferidos com processos de recuperação judicial e falência. Os dados são públicos, já que as ações não correm sob sigilo e o valor da remuneração paga aos administradores judiciais é fixado pelo magistrado responsável pelo caso. Desde 2014, a empresa recebeu R$ 83,5 milhões pelos serviços prestados na área, dos quais R$ 65,1 milhões vieram de firmas investigadas na Lava Jato. Seixas, no entanto, rejeita a tese da que a operação tenha beneficiado a companhia.
“A empresa procura uma recuperação judicial, não é por conta de qualquer investigação, mas porque ela está com dificuldade econômica-financeira. Se ela foi investigada ou não, pode ser que ela não tenha tido problema financeiro. Então não tem importância se é Lava Jato ou não. A gente se beneficiou de um problema no País. O País passou por um processo de reestruturação”, defende Seixas.
Nos últimos dias, Moro não poupou críticas ao TCU pela investigação. Ao anunciar que abriria o salário, o ex-juiz negou ‘estar cedendo’ ao tribunal e disse que deseja ‘ser transparente’. Também questionou a legitimidade das apurações, já que ele não ocupa mais nenhum cargo público. O tom foi mantido na transmissão ao vivo de hoje. Ao contrário do ex-funcionário, os executivos da Alvarez & Marsal evitam entrar no mérito da regularidade do inquérito.
“A gente não tem nenhum problema com o TCU nos pedir informação, nos solicitar dados que a gente possa informar. Nós passamos todas as informações solicitadas até o momento. Se o TCU está certo ou tem autonomia pra fazer isso ou não, eu deixo isso para os advogados. Nós, como executivos, não temos receio de nada do que foi feito. A gente tem certeza da idoneidade da nossa companhia e de tudo que a gente fez. Então a gente vai fornecer as informações sem nenhum sentimento ruim em relação ao ministro ou qualquer outra pessoa do TCU”, garante Gomes.
As informações sobre os serviços prestados por Moro a empresas privadas, no entanto, tendem a ser resguardadas pela Alvarez & Marsal, sinalizam os executivos.
“Ele [ministro Bruno Dantas] não pode pedir nenhuma informação sobre um trabalho privado que o Moro executou pra uma companhia nos Estados Unidos. Quer dizer, ele pode, mas não vai receber, porque são informações privadas dos Estados Unidos e muitas delas nem eu tenho acesso. Então ele não vai receber”, explica Gomes. “Sobre qualquer contratação de empresa na qual o Moro trabalhou no exterior, isso ele não vai, com certeza, ter nenhum acesso, porque são empresas privadas e não vai ter motivo ter esse tipo de informação.” (Rayssa Motta/Agência Estado)