Google retira do ar propaganda contrária ao PL das Fake News após pressão do Governo

Empresa também terá que veicular 'contrapropaganda', com o mesmo espaço, dizendo que tem interesse comercial no tema

Por GABRIEL MANSUR

Google

Pressionado pelo Governo Federal, o Google Brasil desativou, por volta das 13h desta terça-feira (2), uma mensagem em sua página inicial que acusava o Projeto de Lei 2.630, conhecido como PL das Fake News, de “piorar sua internet”. Mais cedo, o Ministério da Justiça impôs uma medida cautelar à empresa por suposta manipulação - e "publicidade enganosa" - acerca do projeto de lei. A expectativa é que o texto seja votado na Câmara ainda nesta terça.

Esse link 'pinado' pelo Google direcionava os leitores a um texto do diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do gigante digital, Marcelo Lacerda, que fazia oposição veemente ao PL que visa regular a terra sem-lei que virou o mundo virtual. Veja o link no print abaixo, feito às 12h47 desta terça:

 

O documento que determinou as sanções lista que o Google deve informar quando um conteúdo se trata de posição editorial, não censure artigos de posicionamento divergente da empresa e não privilegie artigos que defendam a posição da empresa. Pontuou que, caso não cumpra a determinação após ser notificado, o Google será penalizado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), pasta subordinada ao Ministério da Justiça, com multa de R$ 1 milhão por hora.

Além disso, o Google deve informar que o link com os dizeres "O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil" se trata de uma publicidade. Também deve fazer uma contrapropaganda mostrando os benefícios do PL das Fake News. A medida cautelar é para cumprimento imediato.

"No caso de anúncio publicitário contra o PL 2630, veiculado na página de abertura do buscador Google, não há transparência, trata-se de informe publicitário do próprio Google manifestando sua posição quanto ao PL, sem nenhuma sinalização", diz a medida cautelar.

Nesta segunda-feira (1º), o Ministério Público Federal (MPF) já havia expedido um ofício questionando o Google sobre um possível favorecimento de conteúdos contrários ao Projeto de Lei das Fake News.

As grandes plataformas virtuais, conhecidas como Big Techs, lançaram uma ofensiva com intuito de barrar a aprovação do projeto. Um levantamento do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, indica que o Google tem manipulado seu mecanismo de pesquisa para direcionar usuários para termos negativos sobre o PL/2630, além de impulsionar conteúdo sobre a proposta sem a indicação de "anúncio sensível ou político".

Também tem publicado alertas no YouTube sobre "impacto negativo" para os criadores e enviado mensagens a youtubers a respeito.Em um teste feito pela NetLab no dia 29 de abril, ao utilizar o termo "PL 2630" para uma pesquisa no Google, a plataforma retornou com um conteúdo patrocinado da própria empresa com o título "Conheça o PL da Censura". A expressão "PL da Censura" tem sido usada pela oposição para criticar a proposta que tramita na Câmara.

Essas empresas alegam também que, mesmo com o texto parado na Câmara desde 2020, o debate ainda não está maduro e que são favoráveis a uma regulação em outros moldes. Nos últimos dias, o presidente do Google no Brasil disse que o PL pode ser “draconiano” para o país; um diretor da companhia afirmou estar “muito preocupado” com o texto; e uma associação de lobby - que reúne Google, Facebook e TikTok -espalhou entre deputados que o PL censura posts de teor religioso.

O governo, por outro lado, defende que a regulação é urgente e que a proposta já tramita na Câmara há três anos.

O que diz o Google

Em nota, o Google afirmou que o fim da campanha já estava planejado antes da imposição da medida cautelar e reforçou que já usou esse expediente do link abaixo da caixa de busca outras vezes para promover “iniciativas relevantes” por um tempo controlado.

Também negou que esteja privilegiando links contra o PL em seu buscador e afirmou que seus sistemas de ranqueamento se aplicam para todas as páginas da web, incluindo aquelas que administra. Reforçou que o material assinado pela própria empresa sobre o tema é uma manifestação "pública e transparente" da visão da organização sobre o tema.

Nota na íntegra

As alegações de que estamos ampliando o alcance de páginas com conteúdos contrários ao Projeto de Lei 2630 na Busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis, são falsas. Cada vez que uma pessoa faz uma busca, nossos sistemas trabalham para mostrar para ela os resultados mais relevantes entre milhares, às vezes milhões, de páginas de web. Não alteramos manualmente as listas de resultados para determinar a posição de uma página específica em nenhuma hipótese.

Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas, incluindo aquelas administradas pelo Google.

Acreditamos que a discussão sobre uma legislação que pode impactar a vida de milhões de brasileiros e empresas precisa ser feita envolvendo todos os setores da sociedade. Nas últimas semanas, temos nos manifestado em relação ao PL 2630 de forma pública e transparente por meio de nosso blog oficial. Além disso, temos investido em campanhas de marketing para dar visibilidade mais ampla às nossas preocupações, por meio de anúncios em veículos de comunicação tradicionais, como jornais, e em mídia digital, incluindo nossas plataformas de publicidade e redes sociais.

Temos explicado os riscos, que consideramos legítimos, às pessoas que usam nossas plataformas e também aos diferentes participantes do ecossistema digital. Isso inclui criadores de conteúdo no YouTube, anunciantes de todos os tamanhos e sites de notícias. Às vésperas da votação do PL 2630, que não foi discutido tão amplamente e sofreu alterações significativas nas últimas semanas, é importante que os brasileiros estejam informados sobre os possíveis impactos para tomarem uma decisão sobre como participar dessa discussão.

Anúncios na Meta e Spotify

O MPF também expediu um ofício para a Meta, que é dona do Instagram e Facebook, sobre anúncios contratados pelo Google envolvendo o PL das Fakes News. O questionamento também tem como base o estudo feito pela NetLab, da UFRJ. Segundo os pesquisadores, três anúncios foram veiculados em plataformas da Meta, entre 20 e 26 de abril, afirmando que o projeto não estaria pronto para ser votado.

Outro anúncio veiculado entre 26 e 27 de abril, segundo a NetLab, pedia para que as pessoas procurassem os deputados para pedir melhorias no texto do projeto de lei. As publicidades redirecionam os usuários para posts no blog do Google que criticavam a proposta.

A Meta disse que "vai colaborar com o Ministério Público Federal nos termos da legislação aplicável".

Votação em xeque

A votação do PL das Fake News na Câmara dos Deputados, prevista para esta terça-feira (2), pode ser adiada diante das chances de o texto ser rejeitado pelo plenário.

Nesta terça, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), conversará com os líderes dos partidos para tomar uma decisão. O relator do texto, Orlando Silva (PC do B-SP), também deve se reunir com seus pares.

O que diz o PL

O Projeto de Lei das Fake News já foi aprovado no Senado e é discutido na Câmara dos Deputados há mais de três anos. No fim de 2021, um grupo de trabalho montado na Câmara para tratar do tema aprovou uma versão anterior do texto.

Na semana passada, deputados aprovaram, por 238 votos a 192, o pedido de urgência da matéria, o que permite que o texto seja votado diretamente no plenário, sem passar por comissões. Na última quinta-feira (1º), o deputado Orlando Silva, relator da proposta, apresentou seu parecer sobre a matéria.

Em linhas gerais, o relatório obriga que provedores sejam representados por pessoa jurídica no Brasil; criminaliza a divulgação de conteúdos falsos por meio de contas automatizadas, as chamadas contas-robô; responsabiliza os provedores pelos conteúdos de terceiros cuja distribuição tenha sido impulsionada por pagamento; determina que as plataformas digitais mantenham regras transparentes de moderação.

Também determina a retirada imediata de conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes; estabelece remuneração pelo conteúdo jornalístico utilizado por provedores; estende a imunidade parlamentar às redes sociais.

Além disso, deixa claro que a liberdade de expressão é direito fundamental dos usuários dos provedores e que as proibições presentes na lei não podem restringir: o livre desenvolvimento da personalidade individual; a livre expressão; e a manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural.

O Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, isenta as plataformas de responsabilidade por danos gerados por conteúdo de terceiros. O projeto em discussão abre mais uma exceção a essas regras.