O novo gigante dos sete mares

Recém-chegado ao Rio, o Atlântico, o porta-helicópteros da Marinha, comporta números oceânicos

Por Celina Côrtes

O convés do navio de 203m

Há uma cidade ancorada na Ilha das Cobras, no Arsenal de Marinha, desde 25 de agosto. Trata-se do porta-helicópteros de múltiplo emprego PHM A-140 Atlântico, navio gigante de 203 metros de comprimento — tamanho correspondente a dois campos de futebol —, com altura do passadiço equivalente a um prédio de 14 andares e capacidade para operar simultaneamente até sete helicópteros. A embarcação foi adquirida do Reino Unido, em dezembro do ano passado, pela Diretoria de Material da Marinha do Brasil, por 84,6 milhões de libras, cerca de R$ 450 milhões no câmbio atual, que serão quitados em parcelas. Até o fim do ano, o Atlântico será deslocado para um píer no Rio de Janeiro, onde será aberto à visitação.

Em junho, para facilitar a participação da Rainha Elizabeth — até então madrinha de honra da embarcação, que se chamava Lady’s Sponcer — na cerimônia de passagem da posse do navio para o Brasil, os ingleses chegaram a rebaixar portas estanque da embarcação, que limitam os espaços internos com vedação absoluta, para evitar que sua majestade tivesse de levantar os joelhos.

Cada um dos quatro geradores do navio, com potência de 2.000 kW, tem capacidade para iluminar uma cidade pequena. Esses números superlativos são extensivos à capacidade da embarcação, que dispõe de 1.100 camas superpostas em três níveis nas cabines, para acomodar a tripulação de 432 pessoas, cuja capacidade pode ser ampliada para outros 400 e mais 800 fuzileiros navais, chegando a 1.632 pessoas. Um radar de busca combinada 997-3D Artisan abrange um raio de até 250 km, e dois motores de propulsão, com potência de 9.500 Hp, que contribuem para o estável deslocamento das quase 22 toneladas do navio, ampliado pela presença de dois estabilizadores laterais usados para as operações aéreas. Além da tripulação e dos helicópteros — provenientes da força aérea naval, localizada em São Pedro da Aldeia, na Região dos lagos —, que pousam no convoo [convés de voo] revestido de tinta especial para permitir atrito e evitar derrapagens, o Atlântico transporta um milhão e meio de litros de diesel marinho e outro milhão e meio de litros de combustível aéreo, tudo isso, a uma velocidade média de 16 nós por hora, que correspondem a 30 km horários.

Quem enumera todos esses atributos com um largo sorriso é o comandante Giovani Corrêa, visivelmente feliz com a milionária aquisição. “A Marinha brasileira é a grande protagonista da monitoração de segurança do Atlântico Sul”, ufana-se, lembrando a importância econômica representada pelas garantias proporcionadas ao pré-sal e à exportação de produtos para a Europa, África e Ásia. Em tempos de paz, o Atlântico pode ser aproveitado em ações humanitárias e no socorro às populações vítimas de desastres naturais, embora o navio esteja pronto para o combate. E se alguém duvida deste protagonismo, basta comparar as 200 milhas brasileiras a regiões como o Golfo da Guiné, na costa africana, e o Chipre, no Mediterrâneo, infestados de piratas. Para a autodefesa, o navio é equipado com quatro canhões de 30 milímetros e navega escoltado por corvetas. Embora disponha de um sistema eletrônico com GPS, o método prioritário de navegação ainda é a velha carta náutica de papel. E o que mais destoa no passadiço é o tamanho mínimo do leme, que não tem mais do que um palmo masculino, ínfimo, se comparado aos velhos e tradicionais timões.

Cozinheiros maravilhosos

Não fosse pela necessidade de alimentação da tripulação, o Atlântico teria autonomia de 20 mil km. “Ele vai e volta à Inglaterra sem ter de abastecer”, sublinha o comandante, capitão de mar e guerra que — a não ser pelos dois filhos e pela mulher, que permanecem em terra — não vê a hora de zarpar pelos sete mares. A autonomia, entretanto, cai a 60 dias, tempo que o estoque de alimentos é capaz de resistir em quatro containers frigoríficos. A alimentação de todos os navios da Marinha é provida por licitação, a um custo de R$ 9 por pessoa pelas três refeições diárias. O cardápio inclui feijão, arroz, verduras e legumes, carne, frango e peixe, sob um rígido controle de qualidade. “O cardápio é muito simples. Temos três cozinheiros maravilhosos e a comida é gostosa, a tripulação sempre elogia”, informa o comandante. O café da manhã é servido das 7h às 8h, o almoço de 12h às 13h e o jantar das 18h às 19h. “Quando a cozinha capricha mais, sai um pudim de laranja, limão ou chocolate”, acrescenta Corrêa.

O suboficial Evandro Canto Melo é o responsável pela cozinha. “Nossas refeições são preparadas a base de cebola, alho e pimenta do reino. Como tempero diferenciado, usamos ervas finas: tomilho fresco, alecrim fresco e outras ervas que realçam mais o sabor dos alimentos. Os pratos que fazem mais sucesso são: feijoada, rabada, bife com batatas fritas e dobradinha”, diz o cozinheiro, que tem 23 anos e meio de Marinha.

Conforme o comandante, antes de passar ao Brasil, a Marinha inglesa gastou 71 milhões de libras reformando o navio entre 2013 e 2014. A embarcação foi construída entre 1995 e 1998 por uma parceria entre os estaleiros Kvaerner Govan Limited (KGL), em Govan, na Escócia, e Vickers Shipbuilding and Engineering Limited (VS SEL), em Barrow-in-Furness, na Inglaterra, e entrou em operação em 1998. Antes de passar à Marinha brasileira, o Atlântico passou dois meses em manutenção e revisão na Inglaterra, quando ganhou a cor cinza, enquanto as primeiras equipes de 300 tripulantes passavam por um treinamento com os sistemas de bordo, extensivo desde a chegada ao Rio de Janeiro aos demais 132.

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Uma mulher entre 432 homens

Entre os 432 tripulantes do Atlântico reina, absoluta, uma única mulher. Ela se chama Márcia Freitas, tem 44 anos, é divorciada, sem filhos, oficial dentista, capitão de corveta e chefia o Departamento de Saúde do navio. “Para mim, é muito confortável e natural ser a única mulher a bordo. Sou muito respeitada e confiante no meu trabalho”, diz ela, que não abre mão de usar blush, um discreto batom, himmel e esmalte claro nas unhas. “Tento tornar o ambiente o mais neutro possível. Sou voluntária e recebo tanta cobrança como qualquer oficial”, completa.
O departamento é equipado para fazer cirurgias de pequeno porte, como uma apendicite, por exemplo, e divide-se entre a sala de trauma, para triagem, outro espaço para atendimentos mais graves, com centro cirúrgico e CTI com dois leitos. E há ainda uma enfermaria com oito leitos para pacientes de baixa complexidade, além de um consultório para atendimentos gerais onde trabalha um clínico geral.
“O atendimento é pequeno quando o navio está atracado, mas em missões externas a tripulação quase triplica, então passamos a contar também com mais especialistas, como um cirurgião geral, anestesista e mais enfermeiros”, explica Márcia. A equipe ampliada faz então um controle de danos, para avaliar se o paciente pode ser atendido a bordo ou se tem de ser encaminhado para o hospital mais próximo, em terra.