Pelo menos dois ex-PMs presos na operação contra a milícia na terça-feira já encararam os tribunais

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Maurício Silva da Costa, o Maurição (careca e de camisa pólo azul), no dia em que foi preso: ele já foi absolvido em outro processo, porque testemunha voltou atrás no depoimento

Parte da quadrilha de milicianos acusada de explorar atividades de grilagem, construção, venda e locação ilegais de imóveis, entre outros crimes, em Rio das Pedras e adjacências, na Zona Oeste do Rio, alvo da operação conjunta do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Polícia Civil do Estado do Rio na terça-feira, que cumpriu cinco de 13 mandados de prisão, já teve passagens pela Justiça do Rio.

Ontem, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou que o ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Adriano Magalhães da Nóbrega, 42 anos, identificado como o poderoso chefão da milícia de Rio das Pedras e suspeito de ser o chefe do Escritório do Crime — grupo de extermínio ligado à milícia —. estava preso quando foi homenageado pelo ex-deputado estadual e atual senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Adriano está foragido, mas em janeiro de 2004 foi preso preventivamente, acusado de ter matado o flanelinha Leandro dos Santos Silva, 24 anos, que o havia denunciado o PM e outros dez policiais por ameaças e extorsão. Mesmo assim, em junho de 2005, foi condecorado com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Alerj, por indicação de Flávio Bolsonaro.

Na ocasião, o então deputado — que já havia homenageado Adriano em outubro de 2003 com uma moção de louvor, por desenvolver a função com “dedicação, brilhantismo e galhardia” — justificou a condecoração, entre outros motivos, pela participação do policial na prisão de 12 marginais e na apreensão de armas e 90 trouxinhas de maconha no Morro da Coroa, no Catumbi, Zona Norte da cidade.

Quatro meses mais tarde, em outubro de 2005, Adriano foi condenado em júri popular a 19 anos de prisão pelo assassinato do flanelinha, mas apelou por um novo julgamento, foi solto em 2006 e absolvido em janeiro de 2007. Oito meses depois, em setembro, Flávio Bolsonaro nomeou para seu gabinete a então mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega.

O ex capitão do Bope seria preso ainda em outras duas oportunidades. Um ano após ser absolvido, foi preso pela tentativa de homicídio do pecuarista Rogério Mesquita, devido a disputa pelos territórios deixados pelo bicheiro Waldomiro Paes Garcia, o Maninho. Foi solto um mês depois e, em dezembro de 2011, voltou a ser detido pelo mesmo crime, mas, em agosto de 2012, a Justiça arquivou o processo, porque as testemunhas voltaram atrás em seus depoimentos. Apesar disso, foi expulso da PM em janeiro de 2014, devido a suas relações com a contravenção.

Flávio Bolsonaro voltou a defender Adriano, ao justificar, em nota enviada à reportagem da “Folha de S. Paulo” a condecoração ao ex-PM: “Desde o meu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, sempre tive por prioridade a defesa das instituições policiais e de seus integrantes. Nesse sentido, por diversas ocasiões, homenageei servidores em face de ações que mereceram reconhecimento. Foi assim com o então tenente Adriano, que na ocasião específica sofria uma injustiça, reconhecida com sua absolvição na esfera judicial. Isso se deu há mais de uma década, logo, sendo impossível fazer previsões sobre acusações somente agora reveladas”, afirmou o ex-deputado, que chegou a empregar em seu gabinete, além da ex-mulher de Adriano, a mãe do ex-capitão, nomeada em abril de 2016 — ambas deixaram o cargo em novembro de 2018, segundo Flávio, a pedido das próprias.

Rio das Pedras

Outro suposto integrante da cúpula da milícia de Rio das Pedras, o subtenente reformado da PM Maurício Silva da Costa, vulgo Maurição, 56 anos, também já enfrentou os tribunais. Ontem, o jornalista Ancelmo Gois, de “O Globo”, publicou em sua coluna que o ex-PM foi inocentado em 2016 num processo em que era acusado de fazer parte da milícia na comunidade na Zona Oeste. De acordo com a denúncia do Ministério Público, Maurição, 56 anos, seria uma espécie de capataz em Rio das Pedras, mas com poder de comando sobre os encarregados de fazer as cobranças das taxas de segurança e dos motoristas de transporte alternativo.

Segundo Ancelmo, foi o próprio Maurição quem relembrou o episódio a um promotor, ao ser preso na terça-feira: “Rapaz, deixa disso, não vai acontecer nada. Vai ser como em 2008: meu advogado vai resolver tudo. Vocês não sabem de nada”. Na verdade, Maurição foi preso em 24 de novembro de 2009, com outros oito milicianos, numa operação da polícia em Rio das Pedras. O processo foi arquivado no entanto, porque a principal testemunha, Maria do Socorro Barbosa Tostes, viúva do inspetor Félix dos Santos Tostes, chefe da milícia de Rio das Pedras assassinado em fevereiro de 2007, a exemplo do que parece ser comum em julgamentos de milicianos, voltou atrás no que disse, e o desembargador Paulo de Tarso Neves avaliou que as provas não eram suficientes.

Na véspera da prisão de Maurição, Maria do Socorro sofreu um atentado, quando saía do condomínio onde morava, próximo à comunidade, e levou três tiros — no ombro, no cotovelo e na barriga. Ela sofreu duas cirurgias, mas escapou com vida e, depois, fugiu do estado.

Na ocasião da prisão de Maurição, foi detido ainda Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, então presidente da Associação de Moradores de Rio das Pedras, e outro que está preso por conta da operação de terça-feira. De acordo com depoimento à época de uma doméstica que teve de abandonar a favela e aderiu ao programa de proteção a testemunhas de crimes no Rio, Beto Bomba ameaçou seu filho de 17 anos por pintar o cabelo de louro e Fabiano Cordeiro Ferreira, o Mágico — outro preso na terça-feira — espancou e disparou dois tiros perto do ouvido do rapaz para intimidá-lo.

Embora o MP e a Polícia Civil afirmem que o objetivo da Operação Os Intocáveis tenha sido o de desmantelar a atuação da milícia em Rio das Pedras suspeita-se que o bando tenha participação no assassinato ada vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.