RIO
ÁGUAS DO RIO - 'Estado optou pela solução mais fácil: aumentar as tarifas'
Por CELINA CÔRTES
Publicado em 04/12/2024 às 07:58
Alterado em 04/12/2024 às 07:58
O cabelo e barba brancos do engenheiro mecânico Licinio Machado Rogério, 79, são testemunhos de sua quilometragem rodada, sem tréguas, quando o assunto é trabalhar pelo bem comum e, mais recentemente, pelo abastecimento de água e o tratamento de esgoto no Estado do Rio. Ele preside a Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro, atributo que o alçou a presidir também o Bloco 1 da privatização da Cedae - arrematado pela controladora da Águas do Rio, que abrange a zona Sul, o município de São Gonçalo e 16 municípios do interior do Estado. Licinio falou ao JORNAL DO BRASIL sobre os problemas que cariocas e fluminenses têm enfrentado desde a privatização da estatal:
JORNAL DO BRASIL - O governador Cláudio Castro assinou um termo com a Águas do Rio que permitirá aumento da tarifa de água e esgoto em 2025 e 2026, por conta de um erro de cálculo do esgoto produzido. Se houve erro, não foi do consumidor, e ele é quem vai pagar pelo erro?
LICÍNIO - Há três opções quando há erro: diminui-se o valor da outorga (autorização do poder público para que uma pessoa ou empresa use recursos hídricos por um período de tempo determinado), mas o governo do Estado não quer, porque está correndo atrás de dinheiro; aumentar a tarifa ou prorrogar as metas do contrato. O Estado optou pela solução mais fácil: aumentar a tarifa.
O que justificou a privatização da Cedae?
A Cedae era muito ruim, mas dava lucro todo ano. Todos dizem que melhora com a privatização... Há uma série de países no mundo que estão revertendo suas privatizações. O BNDE [ele exclui o S do BNDES, alegando que o banco deixou de cuidar do social] fez a modelagem desta privatização e usou os dados do SNIS de autodeclaração das prefeituras, com as condições de esgotamento de cada local. Cachoeira de Macacu, por exemplo, tinha declarado 40% do esgoto sanitário. A Águas do Rio entrou lá e descobriu que era zero. Estou perguntando ao BNDE porque ocorrem essas discrepâncias, mas ainda não tive resposta sobre o que eles farão para ver se os dados são corretos ou não.
Esse aviso de aumento coincidiu com o longo período de falta de água e de explosões de adutoras – como a que matou uma idosa em Rocha Miranda -, o que torna ainda mais absurdo aumentar tarifas. Qual a explicação da concessionária para esses problemas?
A Cedae faz todo ano uma parada técnica para manutenção nas vésperas do verão. Aí a Águas do Rio aproveita para fazer uma série de serviços. Mas houve alguma coisa e ainda não descobriram a causa pelo atraso dessa manutenção. E foram 13 casos de adutoras explodindo em 11 meses. Desconfiamos que é porque eles estão jogando mais pressão nas adutoras para atender mais gente. E essas manobras são muito difíceis de serem feitas, nem todos têm a capacidade técnica para isso. Jogam mais água no sistema, aumenta a pressão e surgem os problemas, são tubulações velhas que passam embaixo de residências ou do lado, como a de Rocha Miranda. A adutora tinha 1,70 m de diâmetro e um estouro daqueles arrebentou tudo. Por que acontece? é uma pergunta de um milhão de dólares. Na época da Cedae isso já acontecia, mas não com tanta frequência.
Também há problemas de cobranças absurdas...
Eles instalam hidrômetros (Hs) até em terrenos baldios, onde não há ninguém para ser cobrado. Não há planejamento, o objetivo, chutando, é instalar 10 mil Hs, e eles saem botando, sem critérios. Para se ter uma ideia, a primeira conta que chegou do chafariz Bairro Peixoto (projeto de Donatos Dabravolskas, inaugurado em setembro de 2023) foi entregue na casa de uma diretora da Associação de Moradores, quando quem paga essa conta é a Prefeitura da cidade...
Isso sem falar na tarifa social, a cobrança de valores mais baixos para os mais pobres...
Há um percentual de tarifas sociais que estava previsto no contrato. Em alguns lugares a quantidade de gente que tinha tarifa social já era grande, mas parece que o número de beneficiários é muito maior. A Águas do Rio ganhou um desconto da Cedae para não afetar a tarifa no bloco 3. E algo repetido nas audiências públicas é que não vai haver aumento de tarifa. Mas houve, por exemplo, um caso grave quando houve mudança de HDs, alguns deles estavam gastos e marcavam menos. Aí teve gente que passou de 100% para 300% de aumento, há casos de contas explodindo também.
E os meios de fiscalização da sociedade civil não funcionam...
A lei federal 13460, de 2017, diz que toda concessão de serviço público tem que ter um Conselho de Usuários para cada concessionária de qualquer serviço, como cala-a-boca para essa cobrança, que fiz nas audiências, e eu represento o bloco 1. Só que eles não dão condições de funcionamento a esses comitês.
Como assim?
O comitê fui instituído em abril de 2023 e até hoje não temos uma secretária, uma página na internet, não temos nada. Já fomos ao Ministério Público, ao governo do Estado, cobramos da Agenersa [Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro] e da Alerj, e eles dizem que falta um amparo legal para gastar um real que for para ajudar o comitê.
Qual a função desses comitês?
Acompanhar as concessões. Eles são integrados por uma entidade da sociedade civil [a qual ele representa], por empresas e pela associação das concessionárias, em reuniões mensais. Na última quinta-feira, por exemplo, conseguimos pela primeira vez os dados do Fipe, a entidade que faz a auditoria dos dados da concessão. Isso nunca tinha acontecido. São dados que trazem os indicadores de que precisamos e passaremos agora a analisá-los.