CRISE HÍDRICA: Promessas do Estado de que não haveria aumento nas tarifas da Águas do Rio são descumpridas

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Por Celina Côrtes

A bióloga e sanitarista Adriana Sotero Martins

Com detalhes minuciosos sobre todo o processo que precedeu a privatização da Cedae, a bióloga e sanitarista Adriana Sotero Martins, presidente do Comitê de Monitoramento dos Contratos de Concessão do bloco 4 (bairros do Centro e da zona Norte da capital, mais oito cidades da Baixada Fluminense) lembra das promessas de mudança na vida das pessoas, com mais saneamento e dignidade. E de que não haveria aumento de tarifas, como sustentou em entrevistas, na época, o secretário da Casa Civil, Nicola Miccione, responsável por todo o processo.

A carioca Sotero, 56 anos, pesquisadora titular da Fiocruz no Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública, realiza pesquisas sobre o impacto do processo de privatização da Cedae.

Desde o início, suas críticas e propostas enviadas à modelagem do BNDES nas audiências públicas não foram acatadas. “Desde aquele momento, as opiniões da sociedade civil não foram respeitadas. Já víamos que o controle social previsto nos contratos não seria viabilizado, como acontece até hoje, para permitir o monitoramento e fiscalização dos contratos com as concessionárias”.

Segundo a pesquisadora, as empresas queriam assumir a concessão sem considerar ou priorizar as necessidades reais de universalização dos serviços apontados pela sociedade civil e pela academia, através de dados de saúde.

“A Defensoria Pública está apurando o acordo celebrado entre o Estado e a Águas do Rio, com imposição de supostas medidas mitigatórias de equilíbrio financeiro do contrato, porque a empresa alega ter sido prejudicada no leilão e pede reequilíbrio econômico-financeiro, dizendo que foi constatada uma variação de um percentual de cerca de 18% da efetiva existência de cobertura da distribuição de água e esgoto, diferente do que apresentou o edital”, aponta.

Só que Sotero afirma que houve meticulosos estudos no processo de modelagem realizado pelo BNDES para a desestatização da Cedae, com investimentos de R$ 7 milhões para a empresa que fez o estudo para viabilizar a concessão, participação da Concremat Tecnologia e de um escritório de advocacia. Incluiu ainda visitas aos locais envolvidos no processo e verificação de todo sistema.

“Todo o processo foi acompanhado e aprovado, com o crivo do BNDES, que tem a maior “expertise” na realização de projetos de parceria público privada para esgotamento sanitário no país, cujas previsões foram amplamente apoiadas por especialistas contratados por eles”, recorda.

“Ainda assim, a empresa (Águas do Rio) observou a atratividade do mercado e, como o mercado investidor, que também teve a oportunidade de avaliar esses estudos, viu durante o leilão que teria condições de assumir e investir; todos viram a atratividade naquele momento, senão não teriam participado dos leilões”, o que justifica os ágios milionários pagos pelas concessionárias.

A sanitarista não consegue entender porque só agora a Águas do Rio resolveu pedir reajuste de tarifas, dizendo-se prejudicada a partir de consultorias independentes. “É inadmissível que os autores da modelagem não sejam responsabilizados e que seja aceita de imediato uma conciliação, sem qualquer contestação do Estado”.

“E agora vem a Águas do Rio, com consultorias independentes, dizendo-se prejudicada de uma forma inadmissível, sem que haja a responsabilização de quem fez o estudo do processo e é a população que tem que pagar”, continua. “E que seja aceita de imediato uma conciliação sem contestação do estado”, repete. “Cadê os estudos da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa)?

Segundo Sotero, a Agenersa faz uma análise do texto de conciliação e chega à conclusão, olhando o contrato, que admite a ampliação do prazo, a redução da outorga ou o aumento de tarifa. “Durante esse processo, várias estratégias de pedido de equilíbrio financeiro estão sendo praticadas para que as empresas aumentem seus lucros e de seus acionistas, e quem acaba pagando essa conta vai ser a população”, lamenta.

“Ou seja, está se admitindo nesse tempo de conciliação uma revisão de tarifa em percentuais abusivos, que a população vai pagar em duas parcelas anuais simplesmente porque a empresa alega cobertura decorrente desse déficit do sistema de água e esgotamento lá na época do leilão. E só agora ela pede o aumento, baseada nisso?”

A especialista lembra ainda que outra demanda da Águas do Rio é a readequação de elementos contratuais, baseada nos indicadores de desempenho. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), contratada pela Agenersa como verificador independente, também avaliar se os indicadores das metas contratuais estavam ou não sendo executados, porém...

“Até hoje, em quase um ano de grupo de trabalho constituído para analisar os relatórios da Fipe, não conseguimos acesso a eles. Recorremos ao Ministério Público e nem ele próprio conseguiu acesso aos dois relatórios, de 2022 e 2023”

A própria Fipe relatou, em reunião com representantes da sociedade civil, que ainda não foi possível aplicar a fórmula do primeiro e segundo anos. “Então, como a Agenersa tem autorizado reequilíbrio econômico financeiro, baseada em dados que concretamente não estão sendo cumpridos no contrato?”, questiona.

Ou seja, há falta de transparência envolvendo todo esse processo, que precisa ser desvendado, pois quem está sendo condenando a bancar os erros das partes envolvidas é o consumidor.