População do lixão de Itaóca sofre com abandono; região sofre dano ambiental

Diferentemente dos catadores de Gramacho, 700 trabalhadores de São Gonçalo não foram indenizados

Por Maria Luisa de Melo

Passados seis meses da "desativação" do aterro sanitário de Itaóca, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, diversos caminhões continuam despejando clandestinamente toneladas de lixo naquela região. Além da falha de fiscalização do Instituto Estadual do Ambiente, que não conseguiu impedir a entrada dos caminhões de lixo depois da suposta desativação, há ainda a contaminação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim pelo chorume proveniente do lixão. Trata-se de um dano ambiental ao longo de oitenta quilômetros de manguezal numa extensa face da Baía de Guanabara.

Assim como aconteceu no Aterro Sanitário de Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o lixão de Itaóca - aterro sanitário oficial de São Gonçalo até fevereiro - teve de ser desativado depois da Lei Nacional de Resíduos Sólidos entrar em vigor. Isso porque a nova legislação, sancionada em 2010 pelo então presidente Lula, obriga que o tratamento de lixo seja feito por todas as Prefeituras do país. 

O aterro é administrado pela empresa Haztec Tecnologia e Planejamento Ambiental S.A, a mesma que administrava o aterro de Gramacho. Em São Gonçalo, a Haztec tem contrato firmado também para a administração do Centro de Tratamento de Resíduos de Alcântara, que desde fevereiro passou a ser, em tese, o destino de todo o lixo do segundo maior município do Rio de Janeiro. 

Diferentemente do que prevê a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em São Gonçalo, não houve criação de nenhum polo de reciclagem para empregar os catadores daquele lixão. Além disso, também não houve pagamento de indenizações como aconteceu em Gramacho. Na Baixada, cada catador recebeu R$ 14 mil, além de uma remuneração mensal que será paga ao longo de 15 anos. Em Itaóca, no entanto, dos 786 catadores apenas 248 serão "beneficiados". O grupo escolhido dentre os catadores receberá uma ajuda de custo de R$ 200 durante quatro meses.

Não bastasse o crime ambiental, há também o crime social.

Miséria

Dos mais de 700 que viviam do lixão, cerca de 200 construíram pequenos barracos para viver nas proximidades do trabalho. O lixão de Itaóca existe há 40 anos. Além de retirar daquele amontoado de lixo material reciclável para a venda, todo o grupo também garimpava alimentos para sobrevivência até a desativação do lixão, em fevereiro.

Isabel Cristina, 41 anos, mais conhecida como Xuxa pela popularidade que adquiriu dentre os catadores, vive naquele lugar desde os seus 10 anos. Com o que conseguia resgatar em meio ao lixo, criou dois filhos. No corpo traz as marcas da contaminação do chorume. Acumula hanseníase e câncer de pele. No entorno dos olhos tem buracos e manchas avermelhadas por todo o corpo. Apesar do trabalho no lixão, ficou fora da lista de beneficiados com R$ 200 mensais da Haztec. 

"Eu vivi deste lixão durante boa parte da minha vida. Daqui tirava desde alimentos até vestimenta para os meus filhos. Agora que está acabando, queremos pelo menos uma outra atividade para termos o que comer", destacou a catadora.

A chegada dos caminhões de lixo ao aterro "desativado" é festejada por toda a comunidade. "Corre, gente, esse é dos bons. Se chegou às cinco (17h), é o que tem iogurte e queijo", grita Xuxa. Aos poucos, os mais jovens conseguem subir a montanha de lixo e argila. Depois, chegam os mais velhos. A maioria tem problemas dermatológicos graves desde micoses até câncer de pele.

A busca por alimentos dura quase uma hora. Como se já não bastasse ter que remexer todo o lixo sob um forte cheiro azedo no ar, há ainda uma disputa com os cavalos, porcos e urubus pelos restos de alimentos.

Prefeitura calada

Responsável pelo gerenciamento do lixão, a Prefeitura de São Gonçalo (sob comando da prefeita Aparecida Panissett) foi procurada, mas não se posicionou sobre os problemas naquele município. A Haztec não respondeu aos questionamentos do Jornal do Brasil sobre a concessão de benefício apenas para parte dos catadores. Em nota, informou apenas que já notificou as autoridades sobre o despejo clandestino de lixo no aterro desativado. "Foi registrada notícia-crime na Delegacia de Proteção do Meio Ambiente", diz o documento.

A empresa informou ainda que "fez investimentos sociais na ordem de R$ 3 milhões nos últimos quatro anos na região de São Gonçalo e ofereceu oportunidades para todos os catadores que trabalhavam no lixão de Itaoca". Os catadores informaram ao JB que desconhecem o investimento e as "vagas de trabalho" que teriam sido oferecidas.