Eleições, indignação e realismo político

Por Candido Mendes *

Na toada oposicionista deste fim de campanha vê-se, ao mesmo tempo, que não se exaure o solilóquio, à busca de um tema. Viram um mesmo zumbido os clamores da quebra de sigilo fiscal ou bancário, ou da corrupção presumida de quem trabalha no Planalto.  Nesta genealogia os filhos implicam a responsabilidade da mãe, e a certeza da culpa vai, até, ao completo descarte da exigência de prova. Mas o no-show do embate não deixa, também, de dar um recado sobre os candidatos, independentemente do seu discurso.

  Dilma sabe transmitir a indignação, frente ao tatibitate do moralismo difuso da acusação à frente. Pode ter travado a possível onda de novas acusações, no tiroteio dos últimos dias, à busca da vã suspeita. E o peso da biografia de Serra só vai vincar mais, com seus olhos fundos, a seriedade do candidato e o papel das oposições. 

  Só que, nesta campanha, não se vai às urnas apenas pela pretendida rotação dos quadros no poder. O voto tem o sentido de uma opção, e o povo de Lula, para além do PT, vive de uma melhoria única no seu bem-estar e, sobretudo, sabe o que não quer. Ao associar o retrato de Lula ao início da sua campanha na TV, Serra rendeu-se ao quanto os continuísmos podem ter sentido histórico, e o sim à Dilma tem a força de um plebiscito nacional.

  A pergunta sobre política externa dirigida por Serra a Dilma, no penúltimo debate televisivo, inquieta quanto à estreiteza da visão tucana relativa ao nosso país lá fora. Não há que extremar um repúdio a Lula pela retórica de aproximação com o Irã, frente aos objetivos, a largo prazo, do nosso horizonte internacional. Trata-se, sim, da mais clara realpolitik, e é dela que, por paradoxo, exatamente se alcança um novo conceito de paz para os nossos dias. Aliás, não foi em outra dimensão que Dilma respondeu a Serra, precisando o quanto superfrases, ou meias palavras, valem sempre para reabrir o clima de debate e diálogo, indispensáveis à quebra do mundo das hegemonias e seus preconceitos. 

  O conflito à nossa frente é tanto o de um perigo de armamento nuclear em Teerã, quanto o da eventualidade de agressões com a superarma por Israel, nesse jogo potencialmente explosivo de todo o Oriente Médio. O que está em causa, sim, e já, é essa nova dimensão internacional que deixa o nosso país com voz autônoma no cenário dos nossos dias. E tal, a favor da ampliação da audiência internacional que se fechara ao diálogo com o Irã, e numa visão unilateral dos choques e contrachoques do Oriente Médio. 

O Brasil dos BRICs ganha ascendência internacional, à margem de qualquer velho clamor por uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Seria hoje obsoleto voltarmos à aspiração do começo da era Lula. Cresceu a nação à escala do mundo, de que hoje corre atrás a própria ONU. E na força destas novas vozes nosso país adianta-se à China ou à Índia no respeito internacional que lhe empresta a nova melhoria coletiva junto ao respeito pela nossa democracia. O governo Dilma não é mais o de uma simples voz latino-americana. Mas o da expectativa da diferença de futuro, do que nos assegurou, sem mimetismos nem subserviências, o ganho de vez do desenvolvimento sustentado.

 

* cientista político