Curiosity 

Por Mario Moscatelli* 

No mesmo dia em que o maior engenho humano — Curiosity — tocava no solo de Marte com completo sucesso, numa viagem de oito meses e meio, visando entre outras coisas avaliar a possibilidade de ter havido vida no planeta vermelho, bem como preparar a ida, lá pelo ano 2030, do próprio homem ao nosso vizinho planetário, eu solitariamente sobrevoava a cloaca da Guanabara. Em nossa realidade tupiniquim, enquanto em outras sociedades se constrói o futuro da humanidade, por aqui continuamos destruindo o presente e o futuro do que sobrou do outrora paraíso na Terra.

A constatação não é teórica, mas sim prática.

Como de praxe, o Rio Iguaçu, quintal da todo-poderosa, acima do bem e do mal estatal petrolífera, continuava em sua sina de depósito de lixo, esgoto e óleo. No entanto, ao sobrevoar a foz do Rio Estrela, até então considerado pouco poluído, verifiquei que havia claros sinais de óleo e esgoto. Curioso, subi o rio e infelizmente encontrei o que não queria encontrar. A maioria dos afluentes do referido rio, provenientes dos municípios de Duque de Caxias e de Magé, foram transformados em valões de esgoto, que extravasam seu conteúdo pútrido no Rio Estrela. Portanto, em pleno século 21, lá vamos nós detonar mais um rio da Baía de Guanabara.

Neste jogo da degradação e impunidade governamental contra o meio ambiente e a qualidade de vida, onde esses últimos continuam perdendo de goleada, continuam também relativamente intactos os seguintes rios: Suruí, Iriri, Guapi, Guaraí e Cacerebu, visto que o Guaxindiba também há tempos recebe esgoto e lixo dos municípios de Itaboraí e São Gonçalo. Estes cinco rios são os “últimos moicanos” do que um dia foi uma dos mais maravilhosos estuários da costa brasileira, hoje praticamente transformado pela indústria da degradação num verdadeiro bostuário. Nossas autoridades afirmam animadas que em 2014 teremos condições de balneabilidade em diversas praias da Baía de Guanabara. Vamos aguardar!

Nisso que aguardamos mais uma vez, que as fabulosas somas de dinheiro não escoam pelo ralo da impunidade e na favela Rio das Pedras, desabam prédios construídos em cima de lama e turfa, na Baía de Sepetiba, visando gerar mais algumas tragédias. Nossas autoridades licenciaram um loteamento sobre um apicum, área naturalmente alagada pelas marés. Mas o que é um apicum? Explico: o apicum é uma área muito salgada associada às áreas de manguezal apresentando importância hidrodinâmica e ambiental para a zona costeria, onde a mesma aparece. No caso de Sepetiba, os apicuns ainda existentes são os maiores encontrados em nosso estado, e por sorte a maioria deles está sob a fiscalização do Exército brasileiro, visto que, se dependêssemos apenas das autoridades estaduais, a área já teria sido transformada num outro curral eleitoral cheio de favelas.

Mas voltando ao caso principal, depois de denunciado pelo quadro Ecoblitz da rede Globo e devidamente explicada a incongruência legal e ambiental daquele loteamento financiado com dinheiro público pelo programa Minha Casa, Minha Vida, mesmo assim nossa “auturidadi-mor” ambiental preferiu esculachar o denunciante e fechar os olhos para a legalização do ilegalizável, posição bem diferente do que aconteceria quando a autoridade estava na oposição.

Pois bem, sob o pretexto de “melhor ocupar ordenadamente do que deixar a ocupação se dar de forma desordenada”, como dolorosamente tive de ouvir, nossas autoridades ambientais literalmente abrem mão de seu poder de polícia em favor do populismo e dos currais eleitorais, na melhor das opções. Se for nessa linha de raciocínio, é melhor deixar lotear todas as unidades de conservação, na maioria dos casos, abandonadas à própria sorte, visto que é “melhor ocupar ordenamente” como também um dos recentes prefeitos da cidade do Rio de Janeiro já aventou.

Em resumo, a coisa continua indo mal, pois se por um lado se legaliza o ilegalizável, degradando-se o que sobrou. Quem deveria fiscalizar o Executivo também parece não estar nem aí para os desmandos, e enquanto isso vamos pagando uma das maiores cargas tributárias do planeta. Mas, como eu já disse inúmeras vezes, nossas “auturidadis” sabem a sociedade que têm nas mãos e por isso continuam fazendo o que querem sem medo de serem felizes.

Mas um dia a casa cai, e disso eu não tenho a menor dúvida.

 

* Mario Moscatelli é biólogo e ecologista. - mangue@domain.com.br