Parar de julgar
O número de processos nas estantes eletrônicas ou de aço do Judiciário brasileiro será reduzido se os juízes pararem de julgar. Atualmente, para cumprir metas médias ou medianas estipuladas pelo Conselho Nacional de Justiça ou pelas comissões satélites que atuam nos estados, os magistrados são estimulados a escrever sentenças nos processos novos que ingressam em grande volume. Tais metas que, se não cumpridas, podem significar perda remuneratória, seriam ótimas se os processos realmente terminassem com o ato de sentenciar.
Infelizmente, nosso sistema processual não permite transformar a realidade conflituosa somente com a sentença. O povo sabe disso e cunhou a expressão "ganhei, mas não levei". A sabedoria popular aponta a fragilidade da autoridade da sentença e indica, indiretamente, a solução.
Para ilustrar com números, basta consultar a série histórica das novas ações iniciadas no estado do Rio de Janeiro para percebermos que o povo tem sempre razão. Nos milhares de ações novas foram escritos outros milhares de sentenças. Portanto, tudo estaria resolvido, mas não está. Em 1995, o acervo de processos no estado do Rio de Janeiro era de 1.443.259. Atualmente, estão nos cartórios 8.498.595 processos. No mesmo período, os juízes fluminenses proferiram mais de 11 milhões de sentenças.
Entretanto, as sentenças, depois de confirmadas pelo longo sistema recursal brasileiro, retornam ao magistrado para serem cumpridas. Longo tempo depois de terem sido escritas, as sentenças finalmente produzirão efeitos, num ambiente diverso daquele existente quando os processos começaram. Ocorre que os juízes não estão sendo estimulados pelos seus órgãos de controle a executá-las. O incentivo, inclusive financeiro, é para redigir sentenças relativas aos novos processos.
Tal prática tem aumentado consideravelmente a chamada taxa de congestionamento da Justiça brasileira. Nos cartórios, avolumam-se processos em execução que não andam, para desespero dos advogados e das partes, que ganham mas não conseguem levar. A taxa de congestionamento varia, inclusive, conforme a natureza da ação. É menor na Justiça do Trabalho, na qual o comando judicial, em muitos casos, decorre de acordo entre as partes; e muito grande na Justiça Federal, na qual a União utiliza toda a técnica jurídica para não cumprir as sentenças que lhe são desfavoráveis. Dado estático revela que o volume arrecadado pelo governo federal com as execuções fiscais seria suficiente para quitar parte de seus débitos, aparelhar e remunerar melhor os juízes.
Nos estados, a situação é grave em Varas Cíveis e Fazendárias e até na área criminal, em que milhares de condenados estão soltos porque ninguém adota medidas eficientes para a execução das sentenças.
Temos de arrumar a casa. O órgão de planejamento e controle do Judiciário brasileiro deveria instituir o Mutirão para Execução, a ser replicado periodicamente. Durante um ou dois meses por ano, os juízes dedicar-se-iam, ressalvados os casos urgentes, a executar as sentenças, canalizando todos os esforços para cumprir o comando em favor do vencedor, levando, finalmente o processo para o arquivo definitivo porque o conflito de interesses foi resolvido, e quem ganhou levou!
*Cláudio Dell’Orto, desembargador, é o presidente da Amaerj (Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro).