Fórmula de composição da crônica 

Por Wander Lourenço* 

Para se escrever uma crônica, procure armazenar as ideias que se traduzam por episódios contemporâneos ou do passado que proponham um diálogo com a temática atual divulgada por mídias e redes sociais, a fim de que acobertem os olhos alheios como quem desvenda os mistérios do dia a dia através de um discurso jornalístico e literário. Para tal empreitada de escrita, aventure-se a discorrer sobre ocorrências cotidianas desde o singelo desabrochar de uma flor nos cabelos de sua amada à descrição de um amanhecer enluarado com a promessa de um tempo de esperança, a despertar as pessoas para uma solidária jornada social ou um sentimento.  Para se escrever uma crônica, cavalgue em alazões por sobre um jardim a transbordar lírios, orquídeas e dálias pelos parágrafos, ribanceiras, vírgulas e avenidas, que aflorem em singular percurso de um desejo íntimo a estancar em antológico instante de contemplação lírica ou política. 

Para se escrever uma crônica, almeje debruçar-se por sobre o horizonte envolto em nuvens, claridades e garoas, a apreciar o recorde olímpico de atletismo obtido por Usain Bolt ou patinar de mãos dadas, vagarosamente, pela Lagoa Rodrigo de Freitas, a apreciar a serenidade de um bicho-preguiça por sobre o galho do ipê mais frondoso e enflorado. Para tal manual de caligrafia, anseie pelo alvorecer mais repleto de estrela-do-mar ou guia, não sem se despertar pelo código secreto da manhã de um frágil inverno a se emoldurar por entre borboletas e andorinhas, ao passo que espaçonaves ultrapassam a velocidade da luz a flertar com Marte.  Para se escrever uma crônica, descubra disfarces de pierrôs e colombinas nas prateleiras do armário de sua infância, trancafiado por sete chaves ou reminiscências costuradas pela imaginação, mesmo que revelem a dor da perda de um grande amor ou a saudade daqueles que partiram a nos deixar nostálgicos de presenças pelos emblemáticos acordes da lembrança, palavra mais belas da língua portuguesa. 

Para se escrever uma crônica, embalsame a luz do entardecer da primavera chegante em garrafas com a oferta de três pedidos prósperos, de modo que se eternize a efêmera ilusão de alegria, vitória ou conquista, por sobre a qual o ser humano se esfalfa, trai ou se aniquila, em sórdido destrambelho sem tranca ou tramela. Para se habilitar à composição de um registro de jornal, escolha as palavras mais simples para esboçar o indizível retrato de um mendigo a suplicar pelo pão nosso de cada dia bem agasalhado no ventre cristão de cada um de nós, como se o próximo indesejado prejudicasse a paisagem ou o trafegar de um homem preocupado com as suas mais sólidas mesquinharias fúteis e inabaláveis... Ou então colecione a brisa da praia em sua caminhada matinal para oferecer ao sincero companheiro, que lhe estendera a mão no período de desespero e euforia como se a amenizar o árido movimento de sobrevivência, a que nos submetemos com egoísmos e indelicadezas sem nos importarmos com um adeus sem abraço ou agradecimento.

Para se escrever uma crônica, escancare a janela do descobrimento diante de um obstáculo que se atravanca a sublimar o talento de uma travessia particular, a que alcunhamos de destino, fado, fortuna ou sina, a nos permitir um instante de desistência ou fuga que há de ser superado pelo afã de um ato de prosperidade e reconhecimento. Para tal engenho discursivo, desenhe um sol de liberdade em seu quintal ou construa um castelo de areia, de modo a ilustrar que a desvairada maratona que encerra o evento nos reservará a medalha de ouro ou menção honrosa, por uma disputa imprecisa e desigual que da matéria-prima se transforma em rascunho de uma biografia a se arvorar ao pódio, caverna ou abismo.  Para enfim se escrever uma crônica, tente rabiscar as letras do alfabeto em pedaço de papel ou tela de computador; e, logo a seguir, após dissolver os ingredientes por sobre água, fogo, terra e mar, misture-as em tubo de ensaio de um alquimista até atingir o ápice da imperfeição, que é a receita ou fórmula da própria existência humana, reproduzida em incessante querência de glória ou mérito, em perpétuo traço de revelação ou desdita, em eterno laivo de sonho ou suspiro de vida.           

* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são ‘O enigma Diadorim’ (Nitpress) e ‘Antologia teatral’ (Ed. Macabéa). - wanderlourenco.