A administração da justiça e a independência dos juízes

Por Siro Darlan* 

No limiar de um novo século, a sociedade requer que seus juízes se sintam menos funcionários do Estado e que estejam atentos ao respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos. Juízes devem estar mais conscientes de seu papel na sociedade e por isso cada vez mais comprometidos com os efeitos de suas decisões no conjunto da sociedade. Numa única palavra, o que se requer dos juízes é que independentemente de sua origem ou formação não se prendam a decisões personalíssimas ou preconceituosas, mas aos critérios objetivos previa e expressamente contidos na Constituição e nas leis. 

Os juízes devem se pautar em seus méritos e não em favores devidos aos que os promovem e devem desempenhar-se de forma independente e que só se deixem corrigir, quando necessário dentro do devido processo legal e através dos recursos legais. Os juízes são aqueles que com base em seus conhecimento, preparação intelectual e independência não estejam expostos a receber qualquer tipo de pressão, sejam elas internas ou através dos grupos de pressão externas. O conceito de independência não significa que os juízes estejam livres para decidir as controvérsias de acordo com suas predileções pessoais, já que um juiz independente não deve significar um Poder Judiciário irresponsável, mas que os juízes realmente decidam de acordo com seus próprios conceitos, levando em conta as provas, o direito e a justiça, livres de toda coerção, castigo, interferências, adulações ou ameaças, sejam elas provenientes de autoridades ou de particulares.

A independência judicial deve merecer uma atenção direta e imediata para que se obtenha a necessária transparência, ligeireza e qualidade nas decisões judiciais perante uma demanda social, sendo obrigatório que se reflitam acerca da dignidade que deve rodear a administração da justiça, não picada pela mosca da vaidade mas que tenha por rumo cumprir cabalmente seu papel social, especialmente o papel do juiz de primeiro grau, que está diariamente cara a cara com a população sofrida e faminta de justiça de qualidade e que passa por muitas e insondáveis dificuldades.

Ultimamente, esses devem estar protegidos de qualquer forma de interferência interna, seja por meio dos critérios pouco republicanos de promoção dos juízes que os obriga a intermináveis e repetidas procissões de bajulação aos seus julgadores visando obter suas promoções. Igual ingerência deve ser condenada quando os juízes de primeiro grau enfrentando originariamente questões de interesses governamentais sofrem agressões da presidência dos tribunais, sob o pretexto da avocatória, medida excepcional que só se justifica quando há fundado prejuízo para a sociedade ou para a ordem jurídica. 

Havendo abusos por parte da administração, o sagrado princípio do juiz natural é desrespeitado, a independência dos juízes sofre indevida e condenável interferência. Inclusive, os juízes de segundo grau devem se somar e compreender que é hora de mudanças para superar rapidamente a etapa de desconfiança e suspeitas que pairam sobre o Judiciário, garantindo sua independência com bases constitucionais e através do respeito aos ditames da carreira judicial. Há que se respeitarem os critérios objetivos de remoção e promoção dos juízes colocando por terra os conceitos de apadrinhamentos, nepotismos e troca de favores, cercando de total transparência o processo de ascensão profissional. 

Por isso, hoje mais do que nunca se exige que seja garantida a independência dos juízes, se efetivamente se deseja fortalecer o estado de direito, deve-se dar mostras de vitalidade, de flexibilidade, de adaptação aos novos tempos, se não se quiser que a justiça tenha como destino o triste final que se atribuiu aos dinossauros. A independência dos juízes não é um privilégio, mas uma garantia para os cidadãos e própria da função judicante e da democracia, ainda que, devo admitir, fazer justiça é a mais delicada das tarefas humanas. 

Os conflitos sociais têm suas raízes na desigualdade econômica, jurídica e cultural de um amplo setor da população. A mediação é uma das armas de resolução dos conflitos indicada para uma mudança necessária do status quo imperante no Brasil. O poder econômico e os interesses dos monopólios midiáticos geraram uma estrutura estatal baseada nas desigualdades raciais, sociais e na doutrina da segurança pública em detrimento da segurança dos cidadãos. O caráter excludente do Estado está caracterizado pelo fosso econômico criado pelas grandes desigualdades sociais que colocam os trabalhadores sociais, como os professores, educadores e profissionais de saúde, em plano de inferioridade desqualificando-os com baixos salários e uma carga de trabalho que impede a democratização do acesso à educação, à saúde e à justiça. 

O alto custo das tarifas processuais, que deveria ser um serviço público gratuito impede o acesso à justiça da maioria dos cidadãos, que têm seus direitos ofendidos, e o Ministério Público que tem a tarefa constitucional de defender os interesses da sociedade não dá conta dessa missão. O caráter racista dessa politica está visível na população carcerária que, além de privada de sua liberdade, fica excluída de seus direitos fundamentais, e submetida a todas as formas de maus-tratos e torturas pessoais e institucionais. 

Ademais, embora o Brasil seja signatário de acordos internacionais de garantia dos direitos humanos, a violação desses direitos tem sido uma prática corriqueira, não apenas pelo aparato policial mas jungido pela omissão do Ministério Público, e muitas vezes abençoado por decisões judiciais. Daí porque a democratização do Judiciário é uma conquista desejável para que removam os obstáculos de acesso a uma tutela judicial efetiva. É necessário que se promova o respeito às garantias constitucionais de defesa gratuita a todos aqueles que tiverem seus direitos violados através de uma defesa técnica eficiente, a uma justiça sem dilações indevidas, rápida e imparcial. As garantias constitucionais e aquelas oriundas dos tratados internacionais de direitos humanos não podem ficar à mercê de conferências interpretativas, mas imediatamente exigidas por todo e qualquer cidadão. 

O Poder Judiciário deve estar livre de toda e qualquer técnica repressiva ou de intimidação ou ameaças que passam pela manipulação da opinião pública às pressões dos setores econômicos que adulam ou a ameaçam juízes visando influenciar no julgamento das causas, sobretudo aquelas que envolvem graves violações dos direitos humanos. O cartel de importantes escritórios de advocacia, muitas vezes reforçados em seus quadros por juízes e desembargadores aposentados, tem sido uma ameaça palpável à independência dos juízes em todos os tribunais, mormente nos tribunais superiores quando não ficam impedidos de funcionar ministros e políticos que nomearam ou laboraram para lá chegar, magistrados dessas cortes. É preciso ainda zelar para que o Conselho Nacional de Justiça tenha uma representação popular que democratize suas decisões e iniba práticas antirrepublicanas, como o nepotismo e o favorecimento nas remoções ou promoções dos juízes. 

Desse modo a garantia da independência dos juízes se livra da intimidação de decisões administrativas eivadas de interesses políticos e intimidatórios bem como da manipulação pelos administradores dos tribunais. Urge ainda que seja disponibilizado á sociedade brasileira uma nova Lei Orgânica da Magistratura contendo regras modernas de garantia do exercício da função judicante com normas disciplinadoras dos concursos de acesso, carreira, remoção e promoção dos juízes. 

Revisando a necessidade da existência na composição dos tribunais do quinto constitucional, tendo em vista os mecanismos de controle e oxigenação da justiça mais modernos e isentos das influências políticas que vinculam a escolha dos magistrados oriundos de outras carreiras. Reestruturação da escolha dos membros dos tribunais superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal, para evitar que os escolhidos fiquem atrelados aos favores recebidos da classe política e administrativa quanto a acesso aos cargos pretendidos. 


 *Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia. - sdarlan@tjrj.jus.br