De onde vem a opressão?

Por Andréa Maria Carneiro Lobo*

No ano de 1974, quando o Brasil ainda era governado por uma ditadura, o poeta Antônio Carlos de Brito (Cacaso) lançava um livro intitulado O grupo escolar. Nele se poderia ler um poema, que começava assim: Sonhei com um general de ombros largos/ Que fedia/ E que no sonho me apontava a poesia/ Enquanto um pássaro pensava suas penas/ E já sem resistência resistia... Em tempos de ditadura, a figura do general remete à ausência de liberdade. Mas o poema também fala de um pássaro pensando sobre suas próprias penas: seria uma ave que não consegue voar? Ou um poeta impedido de escrever? Mas, mesmo assim, o pássaro (ou o poeta?), quase já sem resistência, resiste. A escrita como resistência, a poesia como estratégia de luta contra a falta de liberdade. 

No contexto em que esse poema foi escrito, a liberdade de expressão era um direito que precisava ser reconquistado: foi destituído, junto com a democracia, no golpe de 1964. A opressão vinha de diferentes formas: censura, liberdade vigiada, impedimento de votar... Mas de uma só direção: de um Estado de exceção. Hoje, os tempos são outros: vivemos novamente em uma democracia. Podemos votar, expressar o que sentimos e desfrutamos do direito de ir e vir. Isso não veio de graça: foi fruto das mobilizações dos sindicatos, das passeatas dos estudantes, da resistência armada da guerrilha, dos manifestos, dos poemas, dos cartuns, das músicas de protesto... Formas de resistência que, a duras penas, foram, aos poucos, minando a ditadura — e a opressão que ela representava. Então, isso significa que hoje não nos sentimos mais oprimidos, certo? Errado. 

A diferença é que, hoje, a opressão vem de lugares tão diferentes e diversos, e muda de estratégia tão rapidamente, que não conseguimos identificar sua origem. Não conseguimos saber de onde ela vem, para combatê-la, ainda que seja com a poesia. Hoje, a opressão parece vir de todos os lados — e até de dentro da gente. Uma opressão decorrente de um ritmo de vida, por nós mesmos criados, mas que é desproporcional às nossas forças, quase impossível de ser cumprido. Como no trecho da música Teatro dos vampiros, de Renato Russo, um dos poetas do pop rock brasileiro dos anos 80 e 90: Esse é o nosso mundo/ O que é demais nunca é o bastante/ E a primeira vez/ É sempre a última chance/ Ninguém vê aonde chegamos/ Os assassinos estão livres/ Nós não estamos... Qual a razão da nossa angústia? Quais as questões que atualmente, nos oprimem? 

No dia a dia agitado de uma grande cidade, pequenas aflições se acumulam: trânsito parado, ônibus lotado, chegar atrasado, comer sempre correndo, estar sempre devendo. De repente, uma fagulha – algo como o aumento da passagem de ônibus – é o que basta para explodir um barril repleto de insatisfações contidas. De diferentes lados da cidade – e da pirâmide social – pequenas labaredas se juntam e externam sua indignação. Diante da força “perigosa” da multidão, aquele poder repressivo, covarde, que julgávamos extinto com o fim da ditadura, volta à tona, mostrando que nunca deixou de existir. Outros tempos, novas angústias, outras formas de opressão (e de resistência), mas a mesma forma de repressão. É a violência do Estado, manifestada pela força policial e que se volta justamente contra aquela que constitui uma das formas mais legítimas da política: a mobilização popular. 


 *Andréa Maria Carneiro Lobo é professora da Unibrasil e doutoranda em história pela UFPR