O homem da caverna

Por Jacquelineda Silva Souza e Breno Rosostolato*

O trânsito nas grandes metrópoles tem ficado cada vez mais insuportável. Coisas absurdas acontecem, mas principalmente falta de paciência, desespero, desrespeito e insanidade, que trazem atitudes violentas e cruéis, modificando o quadro de cidadania da população.

Se nos reportarmos à época das cavernas, vamos verificar todos esses itens, mas com uma diferença: hoje nos consideramos “civilizados”. Será? Basta uma fechada ou alguém nos xingar, e aí aparece quem? – O homem das cavernas interior – só nos falta o tacape. 

Quem nunca ouviu uma história de alguém que foi alvo da ira de outro motorista por causa de uma simples buzina? Xingamentos, gestos obscenos, perseguições, fechadas... provocando pânico. Hoje, basta alguém dizer um impropério, que leva chumbo. Sem contar que podem arrancar o seu braço, jogá-lo no rio e ficar por isso mesmo. Também se sabe que é proibido ingerir bebidas alcoólicas e dirigir, porém quantos respeitam isso?

Há uma história bem interessante da Disney, um episódio do Pateta, que é um ser pacato, respeitável, bom cidadão, enquanto pedestre. No entanto, ao entrar em seu carro e colocar suas mãos sobre o volante, transforma-se num monstrengo, — um verdadeiro homem das cavernas —, não respeita os pedestres, nem sinal, buzina o tempo todo... Em suma, parece ter sido tomado por uma possessão. As autoescolas têm mostrado no primeiro dia de aula, àqueles que querem ser motoristas, esse episódio, o que para muitos é engraçado. Contudo, serve de reflexão.

Ultimamente, vemos esse tipo de coisas acontecendo. Na verdade, há sim uma transformação no ser humano, diria na maioria. Não obstante, verifica-se a mudança de personalidade de pessoas tranquilas, pacíficas, que ao entrarem em seus carros se descontrolam, em decorrência da grande sensação de poder. A ideia de controle e de controlar é fascinante, muitos só têm essa sensação em seus automóveis. A pergunta é: há uma mudança de personalidade, ou a demonstração da real personalidade de cada um?

Brigar no trânsito é coisa do homem das cavernas, porque é um comportamento típico do troglodita, irracional e inconsequente, que na rua expressa toda a sua agressividade e revela sua alienação pessoal. Gritam e esbravejam como se fossem os donos da rua, passam a toda velocidade com seus carros milionários e denunciam a pobreza de seus condutores. O homem da caverna faz estardalhaço quando descobre o fogo, para que sua utilização leve à evolução, mas consegue distorcer as grandes descobertas em armas, aparelhos de destruição em massa. O carro que foi uma invenção com as melhores das intenções, para facilitar o dia a dia das pessoas, é renegado a um instrumento de status, genocídio e de insanidade. Insano mesmo são as mentes vazias, ou, se preferirem, doentias, de indivíduos que têm verdadeiros comportamentos criminosos no trânsito e que assassinam muitas pessoas por ano nas ruas e estradas deste país.

O trânsito não é o responsável por esse tormento todo, e sim a falta de  princípios básicos como gentileza, educação e altruísmo. Sem os quais a barbárie vem à tona.

Se queremos um trânsito pacífico, temos, em princípio, de nos pacificarmos enquanto cidadãos e pedestres.

* Jacqueline da Silva Souza e Breno Rosostolato são professores da Faculdade Santa Marcelina (SP).