Onde deve começar o bom exemplo?
O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) vem fiscalizando, com certo rigor, as campanhas publicitárias voltadas para as crianças, mas isso não tem sido suficiente; a maioria delas é alvo, direta ou indiretamente, de mensagens sedutoramente elaboradas para atingi-las, já que despendem muito tempo diante da TV.
A indstria de alimentos utiliza personagens licenciados para aumentar a venda de seus produtos, e esses, em sua grande maioria, contêm alto teor de gordura, açúcar e sódio, ou seja, são de qualidade nutricional "duvidosa". De acordo com pesquisa realizada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), as crianças são responsáveis por cerca de 70% das decisões de compra no núcleo familiar, especialmente alimentos (92%), ou seja, é mais interessante direcionar a publicidade a elas que aos seus pais.
Por conta desse fato, o Conar estabeleceu que, a partir de primeiro de março, estão proibidas as ações de merchandising em programas infantis. Mas essa medida é insuficiente, já que as crianças sofrem o assédio da publicidade não apenas durante a programação infantil, pois campanhas publicitárias de alimentos são veiculadas durante toda a programação televisiva e estimulam o consumo excessivo, não raro associado à conquista de sensações e sentimentos, como felicidade, alegria, até mesmo amizade, como é o caso dos refrigerantes, de baixo valor nutricional, porém altamente calóricos. Outros, como os salgadinhos, frequentemente são associados à diversão, aventuras e até esportes. E tais alimentos se tornaram itens de consumo diário para as crianças, que hoje desconhecem verduras e até frutas (não reconhecem nem sua aparência, muito menos o seu sabor, mas reconhecem facilmente as embalagens de seus "alimentos" favoritos.
A preocupação se expande, e documentários, como o Muito além do peso (Maria Farinha Filmes), trazem à tona a discussão sobre obesidade infantil. Durante dois anos e meio a documentarista Estela Renner viajou pelas cinco regiões do país pesquisando a relação das crianças com a alimentação, mostrando com clareza a triste estatística: cerca de 33% das crianças brasileiras estão acima do peso. Este índice praticamente triplicou nos últimos 25 anos, época em que já tínhamos 13% das crianças, entre cinco e nove anos, acima do peso. Hoje estamos proporcionalmente iguais aos EUA, país com a maior população obesa do mundo.
Esse tema incomoda os pais de crianças e adolescentes e permeia discussões, não apenas entre os profissionais ligados à área da saúde, como endocrinologistas, pediatras, nutricionistas, mas também é pauta polêmica para os profissionais da área da comunicação, principalmente da publicidade, e sem dvida afeta o outro lado da moeda: o mercado de produtos industrializados, principalmente as denominadas junk foods.
O Ministério da Saúde anunciou o lançamento de uma campanha em 30 mil escolas públicas do país, com o objetivo de orientar as crianças sobre uma alimentação saudável, e a notícia teve espaço em toda a mídia, em particular no Fantástico, que foi ao ar dia 17 de março, citando inclusive o referido documentário.
Assim, se por um lado parte da mídia tem agido de forma imprudente no trato da sade infantil, outra parte dela tem tentado colaborar, disseminando a consciência em relação ao tema.
O fato é que há uma grande responsabilidade conjunta na educação das crianças e jovens no que diz respeito aos hábitos de alimentação. Quando atribuímos aos pais a tarefa de começar dando o exemplo dentro de casa, será que lembramos que a mídia invade os lares com inúmeras campanhas oferecendo as mais diversas guloseimas de maneira apetitosa e cercada de personagens infantis?
Não é fácil para os pais contradizerem mensagens amplamente difundidas, e muitas vezes até apoiadas por ídolos do esporte e âncoras da programação infantil.
*Maria Paula Mansur Mader é professora da Escola de Comunicação das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).