Sequestro de menor por um dos pais é sequestro?

Uma análise da Convenção de Haia

Por Alexandra Ullmann*

Os filhos gerados entre pessoas de culturas ou nacionalidades diferentes trazem consequências que devem ser levadas em conta antes da decisão do casal em formar uma família. São questões que nem sempre são examinadas ou mesmo discutidas.

A maior dificuldade, no entanto, se dá para aquele que deixa o seu país e suas raízes, por vezes se afastando dos familiares, amigos e de sua cultura. A situação tende a ficar mais complicada quando as relações se desgastam. Com o término, há a tendência natural de satisfazer o desejo de retornar ao local que apresenta maior segurança pessoal e emocional àquele que deixou o seu país, suas raízes.

Neste momento, surge uma questão delicada: com o retorno ao país de origem, com quem ficarão com os filhos?

Até muito pouco tempo atrás crianças brasileiras, residentes no Brasil eram levadas por genitores estrangeiros para outros países, principalmente os de cultura islâmica, onde o marido detém o maior poder sobre a prole, sem a existência de qualquer esperança de retorno ou de contato com o genitor que aqui ficava. Note-se que o contrário também existia, crianças brasileiras residentes em países estrangeiros trazidos por um dos genitores que impediam o contato com o outro.

O conflito internacional estava gerado. E não era só com relação a brasileiros. O problema atingia praticamente todas as nacionalidades. Entendendo que crianças não são joguetes, e priorizando seu melhor interesse, ou seja, o da manutenção de contato com ambos os genitores, a Corte de Haia decidiu por legislar no sentido de proteger de forma equânime os direitos dos menores por meio de um acordo internacional denominado de CONVENÇÃO DE HAIA.

Antes de adentrar nos termos da Convenção em si, vale fazer uma diferença técnica entre o termo Sequestro utilizado por esta lei, Sequestro na legislação brasileira e “abduction”, termo utilizado no texto original em inglês. Define-se sequestro na legislação penal brasileira como crime hediondo, quando se priva a liberdade de alguém para fins de extorsão. O termo utilizado no texto original da Convenção de Haia, “abduction” significa a retirada do menor por um dos genitores do país onde possuía residência habitual.

Os países que aderem à Convenção de Haia optam por assinar e se submeter a seu regramento evitando-se o conflito internacional e até mesmo as decisões conflitantes entre órgãos do mesmo país de competências diferentes. Os países signatários deste acordo internacional, ao aderir aos seus termos, demonstram a intenção de proteger o direito do menor em não ser retirado por vontade unilateral de um dos genitores de seu país de residência habitual, entendendo-se por habitual como o local onde residia até um ano antes de seu deslocamento irregular.

É preciso observar que a retirada do menor para outro país (normalmente o país de origem daquele que perpetra o ato) tem como intenção criar uma situação de fato e de direito que melhor atenda aos interesses do genitor e não do menor.

Desta forma, o compromisso assumido pelos países signatários é o de facilitar a repatriação, caso seja necessário, do menor ao seu país de origem através de um regime de cooperação internacional, que envolve as autoridades judiciais e administrativas, localizando a criança,  analisando o caso concreto e, se assim for decidido, providenciando a restituição do menor ao seu país de origem. Sempre buscando atender ao melhor interesse da criança.

Importante esclarecer que a determinação do retorno do menor não significa a decisão definitiva sobre a guarda. O que se pretende é fazer com que seja respeitado o princípio do Juízo Natural, ou seja, acatar a decisão da Corte Internacional no sentido de que a competência para julgar casos considerados como sequestro internacional, é a do Judiciário do local onde o menor residia antes de ser irregularmente retirado.

Para que seja requerida a aplicação da Convenção de Haia, é preciso atender os seguintes requisitos básicos. Primeiramente, os países envolvidos no pedido de restituição devem ser signatários da convenção. O menor deve ter tido residência habitual no país requerente imediatamente antes de sua retirada do local tendo que ser menor de 16 anos;

Importante que se compreenda que a convenção define de forma particular os direitos de guarda e visitação e os aplica no sentido de sua definição. Define a guarda como sendo o direito de cuidar do menor e particularmente decidir seu local de moradia, e o direito de visita como o direito de levar o menor por tempo limitado para local diverso de sua moradia.

Como determina a convenção cada país, como membro signatário, tem o direito de designar um órgão a quem se denomina de autoridade Central, a quem deve a Corte de Haia se reportar. O Brasil designou à SEDH (Secretaria Especial de Direitos Humanos) como sendo a autoridade central a quem os pedidos de restituição de menores são dirigidos.

Importante mencionar que a Convenção determina que qualquer pessoa que tenha ciência do deslocamento irregular de uma criança para outro Estado pode efetuar a denúncia à autoridade central de seu país, que entendendo cabível enviará o comunicado à autoridade central correspondente no país onde o menor esteja localizado.

A autoridade central é o órgão responsável por localizar o menor no território nacional tomando as medidas, preventivas ou efetivas, para minimizar os danos à criança. Efetua ainda a intermediação entre as partes na tentativa de realizar a entrega voluntária do menor ou um acordo entre as partes envolvidas.

É ainda a autoridade responsável pela análise do pedido advindo da autoridade central de outro país signatário da Convenção, após esta análise e a confirmação de estarem presentes os requisitos necessários a aplicação da Convenção é acionada a Interpol no intuito de localizar a criança desaparecida, sendo seus procedimentos sigilosos.

Após a localização da criança, e sendo o genitor que a retém ilegalmente brasileiro, a autoridade central enviará comunicado da existência do pedido efetuado pela autoridade central de outro país de restituição do menor ou de visitação, dando prazo para resposta da parte.

Caso a solução amigável seja inviável, a autoridade central, aciona a Advocacia Geral da União para ajuizamento da ação cabível, atuando o Estado em nome próprio, posto ser a parte legítima para representar o polo ativo da ação. O Ministério Público, atuando como fiscal da lei, na defesa dos interesses do menor, é parte imprescindível no processo sendo certo que a ausência de sua manifestação gera nulidade absoluta dos atos realizados.

Os prazos estipulados pela Convenção de Haia são curtos forçando a celeridade dos atos e procedimentos em razão de se estar tratando com menores. Seis semanas é o prazo para que a autoridade central apresente as primeiras informações sobre o caso.

Um dos pontos mais questionados da Convenção de Haia, ao menos no que tange à legislação brasileira, se dá quanto à questão temporal. Afirma aquela lei que se a comunicação da subtração do menor tiver sido feita em prazo inferior a um ano o juiz deverá de imediato efetuar a devolução da criança ao local de residência anterior habitual para que lá sejam definidos os termos de guarda e visitação. Caso a comunicação seja posterior a um ano, haverá discussão sobre possível adaptação do menor no local atual de residência registrando-se que esta demora não pode beneficiar o responsável pelo ilícito.

A demora, apesar de ir de encontro com o intuito da Convenção, é proveniente de diversos problemas burocráticos e administrativos que não podem ser considerados em prejuízo ao direito adquirido da parte.

As exceções descritas no artigo 13 da Convenção de Haia são o calcanhar de Aquiles da Convenção. O citado artigo afirma que, em determinadas circunstâncias a autoridade central não é obrigada a determinar o retorno imediato da criança, como quando é provado que quem requer o retorno do menor não exercia sua guarda efetiva ou quando houve a sua anuência com a transferência do menor. O mesmo se aplica quando de alguma forma o menor puder incorrer em risco e quando a autoridade se convencer que o menor tem maturidade suficiente para decidir.

Como exceções, cabe a quem as alega comprovar indubitavelmente sua existência e ao Juízo utilizar de todas as formas lícitas para minimizar o sofrimento da criança.

De qualquer forma, sempre vale lembrar que independentemente das particularidades de qualquer caso não se pode permitir o descumprimento da lei  internacional da qual, é o Brasil signatário, registrando-se que da mesma forma que existem crianças trazidas para nosso país por um dos genitores que aqui passaram a residir, existem outras tantas levadas daqui por genitores estrangeiros e o principio básico da reciprocidade só poderá ser arguido caso respeitemos o acordo realizado.

Não há como requerer a repatriação de crianças irregularmente retiradas de seus lares sem que o nosso país faça o mesmo e de forma célere, ao solucionar problemas semelhantes.

 

*Alexandra Ullmann, advogada, é especialista em direito de família com MBA na área.